SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – A Caixa Econômica Federal, responsável por dois de cada três financiamentos imobiliários realizados no Brasil, reintegrou 8.762 imóveis no primeiro trimestre de 2025. O número 33,4% menor do que o registrado no mesmo período do ano passado (13.166 propriedades) se justifica pela redução da inadimplência dos contratos.

Retomada de imóveis volta a cair no primeiro trimestre. O número de reintegrações é o menor para o mesmo período desde 2022 (812) e interrompe sequência de altas. Os dados obtidos pela reportagem via LAI (Lei de Acesso à Informação) mostram ainda que o valor total dos imóveis retomados somou R$ 1,15 bilhão, uma queda de 25,8% em relação ao mesmo período de 2024 (R$ 1,55 bilhão).

Cenário econômico favorável justifica os números. A taxa de desemprego no menor patamar da história e a evolução do ganho médio dos brasileiros são consideradas determinantes para a redução das reintegrações. “Essa queda [das retomadas] reflete o mercado de trabalho mais aquecido e a ampliação das renegociações com os bancos. As famílias conseguiram se reorganizar financeiramente”, diz Bruno Pira, especialista em mercado imobiliário.

Ambiente favorável derrubou índice de inadimplência. O percentual de atrasos por mais de 90 dias para a quitação dos financiamentos da Caixa recuou para 1,19% ao longo de todo o ano passado. Segundo os balanços do banco estatal, a taxa é 0,43 ponto percentual inferior à registrada um ano antes. Ainda que tenha voltado a subir no primeiro trimestre de 2025, para 1,42%, o cenário não afeta as recuperações, normalmente realizadas após períodos mais longos sem os pagamentos.

HISTÓRICO

Queda das retomadas vem após volume recorde registrado em 2024. No acumulado do ano passado, a Caixa reintegrou 49.935 imóveis (o banco não informa quantos imóveis financiados fazem parte da carteira). A quantidade superou o recorde do ano anterior, marcado pela retomada de 39.591 unidades.

Número de recuperações foi praticamente nulo durante a pandemia. No período da pandemia de Covid-19, o governo autorizou medidas para não prejudicar quem foi afetado financeiramente pela emergência de saúde. Pausas e reduções temporárias nas parcelas reduziram as recuperações no período, levando às baixas históricas no início da década.

INCERTEZAS

Aumento dos juros tem pouca influência no número de retomadas. Apesar de encarecer e dificultar novos financiamentos, a elevação da taxa Selic para 15% ao ano, o maior patamar desde 2006, não altera os pagamentos dos contratos já firmados com o banco. “Quem pega um empréstimo, mesmo que com juros altos, normalmente tem uma programação financeira, pelo menos para um curto prazo, e dificilmente deixa de honrar as primeiras parcelas”, avalia Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário.

Juros mais altos levam a queda no número de novos financiamentos. Desde novembro do ano passado, foram adotadas regras mais restritivas para a liberação do crédito imobiliário no Brasil. As mudanças elevaram de 20% para 30% o percentual mínimo de entrada para a aquisição do imóvel. “Em alguns casos, o máximo que os compradores conseguem de financiamento é 50% do valor do bem”, ressalta Tapai.

Carteira de crédito imobiliário da Caixa cresce em ritmo mais lento. Com as mudanças, o banco estatal firmou 164,2 mil contratos no primeiro trimestre deste ano, número 10,4% menor do que as assinaturas celebradas entre janeiro e março do ano passado. Como consequência, a carteira de crédito imobiliário da Caixa subiu 12,7%, de R$ 754,3 bilhões para R$ 850,4 bilhões, e registrou a evolução anual mais baixa desde o segundo trimestre de 2022 (12,4%).

COMO FUNCIONA A RETOMADA

Bancos podem notificar a inadimplência 15 dias após o atraso. O período é estipulado pela lei 9.514/97. Ainda assim, Lucas Bettim, especialista em direito imobiliário, afirma que a maioria dos bancos adota um intervalo de tolerância de até três parcelas em atraso antes de formalizar a notificação extrajudicial no cartório. “O intervalo constitui uma janela crítica para negociação antes do início oficial do processo de retomada”, explica.

Prazo para a quitação integral da dívida varia em até 45 dias. Sem a quitação, o cartório assume o direito de transferir a propriedade em nome do credor, que assume o compromisso de direcionar o imóvel para ser leiloado em duas etapas: o primeiro para definir o lance mínimo do bem e, em seguida, ocorre um leilão com a adição do valor da dívida.

“Entre a primeira parcela em atraso e a realização do segundo leilão, o prazo médio é de seis a oito meses, podendo variar conforme a agilidade do cartório e do credor. Em caso de judicialização, esse prazo se estende significativamente”, diz Lucas Bettim, especialista em direito imobiliário

Especialistas afirmam que prazos podem ser flexibilizados. “Os procedimentos internos costumam demorar até que a instituição inicie efetivamente o processo de cobrança e leilão do bem”, destaca Tapai. Pira, por sua vez, entende que os juros altos abrem margem positiva para os clientes. “O valor presente do dinheiro permite um bom desconto, o que pode gerar condições vantajosas para quem busca comprar para morar, investir ou regularizar seu financiamento em atraso”, avalia.

Os bancos costumam oferecer alternativas de renegociação para evitar a retomada, e o cliente tem sempre a possibilidade de fazer uma portabilidade caso a taxa diminua e outro banco tenha uma condição de taxa menor.Bruno Pira, especialista em mercado imobiliário

Retomadas não ocorrem somente devido à inadimplência. Ainda que o atraso nas prestações represente a principal motivação, as recuperações também podem acontecer por outras razões. Entre elas, aparecem o uso do imóvel para uma finalidade diferente da contratada, a transferência da posse a terceiros sem autorização do credor, a falta de pagamento do IPTU ou seguros obrigatórios e a constatação de fraude na contratação. Segundo Bettim, as autorizações são determinadas em contrato e vale “sempre que a integridade da garantia estiver ameaçada”.