BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quase três anos separam o momento em que Jair Bolsonaro (PL) teve 58 milhões votos na eleição presidencial de 2022 e a sua condenação a 27 anos de prisão por liderar a trama golpista.
Na época da derrota, aliados tentaram convencê-lo a aceitar o resultado e se tornar o líder da oposição no país. Mas ele decidiu viajar para os Estados Unidos e só retornou três meses depois, quando começou a responder a processos na Justiça e buscou, por fim, incorporar o papel de liderança da direita.
Agora, condenado e já em prisão domiciliar, Bolsonaro deixa como legado uma direita fragmentada, com a ascensão de uma ala mais radicalizada e outra que busca sobreviver à sua sombra.
Ele já estava inelegível até 2030, por condenações pela Justiça Eleitoral, mas a nova punição pode deixá-lo de fora das eleições até 2062 -quando teria 107 anos de idade. Apesar disso, o ex-presidente se recusa a passar o bastão, na tentativa de manter seu capital político.
A falta de definição faz seu espólio eleitoral ser disputado por ao menos quatro governadores de direita e por integrantes da sua própria família, com o vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PL) chamando os governadores de ratos oportunistas e mensagens do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) criticando Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A condenação aumenta as incertezas sobre o bolsonarismo. Uma ala mais pragmática quer manter alianças do PL com o centrão, é menos ideológica com pautas ditas conservadoras e calcula os passos para aumentar as chances de derrotar o petismo no próximo ano.
O outro grupo rechaça acordos políticos, defende sanções a autoridades brasileiras, é radicalmente crítico ao Judiciário e diz que o Brasil é uma ditadura.
Os integrantes dessa segunda ala, hoje capitaneada por Eduardo nos Estados Unidos, tem atuação vista por alguns como mais combativa e radical que a do próprio ex-presidente. O deputado tem uma leitura de cenário distinta da dele e é mais avesso às composições políticas.
Isso ficou evidenciado nas mensagens reveladas pelo relatório da PF (Polícia Federal) que levou ao indiciamento dos dois, em agosto. O parlamentar discorda das avaliações do pai e defende, entre outras coisas, intensificar as críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal).
Em determinado momento, Bolsonaro diz: “Esqueça qualquer crítica ao Gilmar [Mendes, ministro do STF]. Tenho conversado com alguns do STF. Todos ou quase todos demonstram preocupação com as sanções”.
Há parlamentares em Brasília e nos estados que têm um alinhamento ao filho do ex-presidente e hoje, nos corredores, são chamados de “eduardistas”. Ainda que ele não tenha previsão de voltar ao Brasil, por medo de ser preso, já demonstrou interesse de ser o sucessor do pai à Presidência e até falou em sair do PL e se filiar a outro partido com esse objetivo.
Enquanto no Brasil o ex-presidente e uma parte de seus aliados buscaram se distanciar do tarifaço de Trump, atribuindo a medida à política externa de Lula, Eduardo defendeu que o presidente americano está preocupado com a situação de Bolsonaro e do STF, e que as coisas só mudarão com a aprovação de uma anistia.
Foi um momento de inflexão no bolsonarismo neste ano. Levou à abertura de inquérito e posterior indiciamento de Eduardo e do pai. Eles foram proibidos de se falar, e o ex-presidente acabou com tornozeleira eletrônica, o que iniciou seu afastamento da política, em 18 de julho.
Esses aliados e apoiadores do ex-presidente falam dos movimentos da ala favorável a encontrar um sucessor como uma traição a Bolsonaro. Eles também defendem que ele deve seguir até o último momento como candidato.
Em outra frente, a ala pragmática próxima a Bolsonaro busca criar uma frente ampla de direita para enfrentar Lula, mas sem desgarrar do ex-presidente. O principal nome é o de Tarcísio.
Espremido entre as críticas de alas mais radicais e pressionado a manter postura mais moderada, o governador tem buscado se equilibrar entre a incerteza se continuará candidato à reeleição em São Paulo ou se disputará a Presidência no próximo ano.
A condição indispensável para concorrer ao Planalto é um apoio declarado do ex-presidente -algo que uma ala do seu entorno diz que já ocorreu, mas outra diz acreditar numa postura mais errática de Bolsonaro, como já aconteceu em outros momentos.
Esses interlocutores do governador também defendem pautas caras ao bolsonarismo, como a anistia ao ex-presidente e condenados nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 -mas preferem um projeto que não seja tão amplo, que não dê a ele de volta seus direitos políticos.
Esse grupo mais pragmático quer trazer o bolsonarismo mais para o centro, como uma estratégia eleitoral -acreditam que será a forma de expandir votos- e de sobrevivência. A consequência da radicalização de Bolsonaro, afirmam, levou-o à condenação de 27 anos e três meses pela corte.
Ao contrário da ala mais radical do bolsonarismo, eles defendem diálogo com ministros do Supremo, numa tentativa de apaziguar a relação ou mesmo buscar acordos -ainda que não fique claro com quem ou que tipo de acordo.
Tanto para os mais radicais quanto para os mais pragmáticos, há um consenso de que nenhum dos dois grupos pode romper com o ex-presidente. Eles rivalizam pelo protagonismo político e eleitoral no campo, mas sem abandonar Bolsonaro.