SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com eficiência tributária e retornos acima de 15% ao ano, Fidcs (fundos de investimento em direitos creditórios) se tornam cada vez mais populares. Neste ano, a captação desses instrumentos fica atrás apenas de debêntures.

Segundo dados da Anbima (Associação dos Mercados Financeiro e de Capitais), a oferta desses fundos atingiu volume recorde este ano. Entre janeiro e agosto, foram levantados R$ 52,4 bilhões, 10,2% acima do registrado nos primeiros oito meses de 2024.

Analistas apontam que a inexistência de “come-cotas”, antecipação semestral do Imposto de Renda sobre os lucros obtidos no período, é um dos grandes atrativos do produto. O destaque, porém, fica por conta dos retornos, que superam o CDI (taxa que acompanha a Selic).

Um Fidc é um fundo com, no mínimo, 50% de seu patrimônio líquido constituído de dívidas a receber, de qualquer valor e setor. Elas podem ser recebíveis de cartão de crédito, boletos, precatórios ou processos judiciais em andamento, financiamentos, empréstimos pessoais, duplicatas, notas promissórias, crédito consignado, mensalidades educacionais, convênios de saúde, carteiras de crédito em atraso etc.

“Todos esses ativos são considerados direitos creditórios, desde que tenham origem em uma obrigação líquida e certa”, diz Sidney Lima, analista da Ouro Preto Investimentos.

Quem iria receber esse crédito originalmente, chamado de cedente, vende este direito de receber do devedor, chamado de sacado, a um fundo por um valor descontado. A vantagem é de antecipar o pagamento e não ter o risco de calote. Já para o fundo, ele compra o recebimento mais barato, e lucra em cima disso.

Para diminuir esse risco, os Fidcs costumam ter recebíveis de centenas de cedentes (multicedentes) que, por sua vez, têm milhares de direitos creditórios (multisacados). Assim, mesmo que haja calote, o fundo consegue entregar uma certa rentabilidade. Há também os Fidcs monocedentes, considerados mais arriscados.

“O crescimento [da indústria de Fidcs] vem de todos os lados, com uma contribuição importante do consignado, que é um ativo de baixo risco e com muita aceitação e do multicedente multisacado”, diz Eduardo Siqueira, diretor de Relações com Investidores da gestora de Fidcs SRM.

O volume médio por operação é baixo para a indústria, de R$ 78 milhões, o que revela o uso por empresas de pequeno e médio portes, que precisam de capital de giro. Esses créditos são, geralmente, mais arriscados e os que geram o maior retorno.

Com a alta demanda, os Fidcs já representam 7% de toda a indústria de fundos brasileiros. Antes de serem liberados para o investimento de pessoas físicas, em 2023, a participação era menos que 5%.

A rentabilidade também varia de acordo com o tipo de cota. Elas podem ser até três por Fidc: sênior (prioridade no pagamento), mezanino (tem prioridade no resgate em relação à subordinada) e subordinada (a última a receber em caso de calote). Quanto mais arriscada a cota, menor o seu preço e maior a sua remuneração. Para proteger os pequenos investidores, pessoas físicas só podem adquirir cotas seniores.

Segundo a Sol Agora, fintech de Fidcs da Brookfield, os fundos menos rentáveis, e mais seguros, geram, em média, um retorno de CDI mais 0,5% ao ano. Entre eles estão os Fidcs de crédito consignado público ou do INSS e de recebíveis de cartão de crédito. Nesses casos, os devedores são governo e bancos. Já as mais arriscadas, geralmente de dívidas vencidas, rendem quase o dobro do CDI.

Quanto maior o risco, maior tende a ser o retorno. Dessa forma, o tipo de cota do fundo também interfere no retorno. Por exemplo, as sêniors rendem cerca de CDI mais 5% ao ano em Fidcs de descontos de duplicatas de pequenas e médias empresas. Já as mezanino nesse mesmo fundo chegam a CDI mais 14%.

“Desconto de duplicatas é o famoso risco sacado. Geralmente, são pequenas e médias empresas que vendem seus produtos ou serviços, cujo pagamento é a prazo. Então é uma venda financiada pelo caixa da companhia. Como ela só vai receber esse pagamento pelo cliente em 30, 60, 180, 360 dias, ou até em anos, ela antecipa esse pagamento por meio de Fidcs em razão do fluxo de caixa”, diz Eduardo Solamone, diretor de relações com Investidores da Sol Agora.

VALE A PENA INVESTIR EM FIDCS?

Segundo especialistas, Fidcs não são indicados para pessoas físicas, pelo seu risco e baixa liquidez no mercado secundário.

“Eles são mais voltados a investidores institucionais e profissionais, com maior capacidade de análise de risco e estrutura para acompanhar a saúde dos créditos que compõem o fundo. Embora alguns produtos sejam distribuídos no varejo, não se trata de um veículo adequado ao investidor pessoa física, justamente por sua complexidade e pelos riscos pouco transparentes na comparação com alternativas mais acessíveis e reguladas”, diz Hulisses Dias, sócio da Beginity Capital.

Na Bolsa, há apenas cinco Fidcs listados: IDLQ (crédito universitário), BBVH (infraestrutura),

KNCE (operações estruturadas), OPIM (dívidas não-padronizadas) e SMRT (cotas de outros Fidcs).

“A listagem exige transparência, custos de governança e liquidez mínima, que muitas vezes não compensam para fundos estruturados em operações específicas. Além disso, o mercado secundário de Fidcs ainda é pouco desenvolvido no Brasil, e a maioria dos investidores prefere negociar diretamente com os originadores ou em ofertas restritas”, afirma André Mirsky, economista e consultor financeiro.

Além da B3, o pequeno investidor também pode comprar cotas de Fidcs em corretoras. Outra forma de ter o ativo na carteira é de maneira indireta, investindo em fundos de crédito privado que têm Fidcs em sua composição.

Apesar de serem classificados como renda fixa, os Fidcs não são semelhantes a um CDB ou a uma LCI (Letra de Crédito Imobiliário), que têm cobertura do FGC (Fundo Garantidor de Crédito). Se os pagadores das dívidas atrasarem ou derem calote, o fundo fica sem receber.

“O investimento neles exige entendimento sobre crédito, inadimplência e estruturação de risco. O principal é analisar a qualidade da carteira de recebíveis que compõe o fundo: quem são os devedores, o histórico de pagamento e o risco de inadimplência”, diz Mirsky.

Outro ponto de atenção é a liquidez. Além de ser difícil revender a cota no mercado secundário, há Fidcs que são fechados, nos quais é preciso esperar o prazo de vencimento para liquidar o investimento. No entanto, mesmo nos abertos, a liquidez não é imediata e o dinheiro pode cair na conta após meses da solicitação do resgate.