RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Jardim de Alah, na zona sul do Rio de Janeiro, esteve cercado por tapumes em pelo menos quatro dos últimos dez anos. De 2015 a 2017, o motivo foi a construção da estação de metrô. Desde 2024, é pela atual reforma, que prevê uma transformação total do parque.
A concessionária Rio + Verde, vencedora de uma licitação municipal em 2023, realiza obras para instalar restaurantes, mercados, área para música ao vivo e vagas para carros.
A prefeitura previa conclusão para este ano, mas disputas judiciais atrasaram a obra, estimada em R$ 120 milhões. A concessionária dá prazo para 2027.
Para parte dos moradores, o projeto é solução para um espaço que nas últimas duas décadas foi subutilizado pela população do entorno. Hoje o parque é visitado, a rigor, por passeadores de cães e alguns pescadores que fisgam peixes no canal. Pessoas em situação de rua se abrigam no local.
Para outra parte da vizinhança, a transformação do Jardim de Alah vai descaracterizar um bem tombado em nível municipal e gerar risco de danos ao meio ambiente.
Batizado com nome de um filme de 1936, espaço foi projetado pelo urbanista francês Alfred Agache. Foi construído em 1938, em nível abaixo das avenidas do entorno e em estilo francês, com caminhos quadrados.
Passa pelo parque um canal fluvial que conecta a água da Lagoa Rodrigo de Freitas à praia. O jardim fica no limite entre os bairros de Leblon e Ipanema
O auge do local foi nas décadas de 1950 e 1960, com passeio de pedalinhos e gôndolas pelo canal. A partir da década de 1980, segundo moradores, o lugar passou a ser menos ocupado.
A construção da estação do metrô, a partir de 2014, tornou o parque um canteiro de obras. A Comlurb (Companhia de Limpeza Urbana) passou a usar parte do espaço.
No plano da concessionária, o jardim, hoje rebaixado, será suspenso e dividido: uma área ao ar livre na parte elevada e um espaço de comércio na parte baixa, na altura do canal.
O canal terá calçada nas margens e passagens para pedestres. A concessionária planeja ainda um anfiteatro e a instalação de esculturas ao ar livre, uma “mini Inhotim”.
A planta prevê 23 lojas, pelo menos seis restaurantes e vagas para mais de 100 carros, que sairiam do entorno da praça.
O projeto tem ainda ciclovia e a reforma de ginásios e creche, que hoje já existem e atendem à população da Cruzada São Sebastião, conjunto habitacional em frente ao parque.
Moradores do entorno que defendem as obras dizem o grupo que se opõe à reforma não deseja ver a integração do Leblon com a Cruzada. A disputa entre os dois lados envolve até artistas, que já publicaram vídeos nas redes sociais defendendo ou criticando o projeto.
“A população desistiu do Jardim de Alah e há anos o evita. Tornou-se um lugar deserto, perigoso. Se hoje ele separa os bairros, pode ser um elemento de integração da cidade no futuro, com convivência”, afirma a decoradora Rosamaria Ferraz, 53, moradora de Ipanema.
Alguns vizinhos fizeram abaixo-assinado contra o projeto (hoje com mais de 30 mil assinaturas) e abraços dominicais ao parque. Argumentam que haveria deformação do bem, tombado em 2001, e dano ambiental, por risco de obstrução do canal por conta das obras.
Também reclamam da derrubada de 90 árvores -maioria exótica ou doente, diz a concessionária.
O grupo chama o projeto de shopping a céu aberto, termo utilizado também pelo Ministério Público, que entrou com ação contra a obra. A concessionária rechaça e afirma que apenas 8,5% da área do parque será ocupada pelos empreendimentos.
“Não é shopping, nem supermercado. Serão mercados como Cobal [no Rio], Time Out [em Lisboa]. Qual é o shopping que tem 8,5% de loja e 90% de parque? Será um parque com apoio de comércio”, afirma Miguel Pinto Guimarães, um dos arquitetos responsáveis pela obra.
“A Associação de Moradores não é contra a revitalização. Ela só não quer que isso seja transformado em um shopping, e falo shopping porque são dezenas de lojas e restaurantes. O tombamento diz que deve ser preservada todas as características históricas, artísticas, culturais e arquitetônicas”, afirma o advogado João Macedo Ferreira de Mello, da associação.
O grupo contesta a concessionária, dizendo que os empresários calculam que o parque tem 93 mil metros quadrados, mas as áreas verdes são apenas 40 mil metros quadrados.
A obra está em andamento por sentença dada em maio pela 6ª Vara de Fazenda Pública da capital, mesma vara que, por liminar, havia impedido o início da obra em 2024 -por risco de prejuízo à configuração original.
Cabe recurso e o caso deve ir para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O Ministério Público pediu à Justiça em julho a intimação dos representantes da concessionária, afirmando que as obras estão destruindo o patrimônio histórico.
O projeto, contudo, foi aprovado pelo IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade) e pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico).
Em parecer técnico em junho, arquitetos do Iphan avaliaram que o projeto “consiste em importante intervenção” no local.
Na última semana, prédios do entorno receberam carta da concessionária com pedido de vistoria técnica. O objetivo é registrar o estado atual dos imóveis.