SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após sentir um caroço no seio ao realizar o autoexame e buscar ajuda médica, a auxiliar de limpeza Ana Lúcia Augusto Ferreira, 56, descobriu um câncer de mama em 2022, que já havia espalhado para um linfonodo. Mesmo após quimioterapia, radioterapia e duas cirurgias, a doença retornou.
Divorciada e mãe de oito filhos, Ana Lúcia segue firme no tratamento. A mulher é uma das 62 pessoas acolhidas pelo projeto FisioOnco, em São Paulo, fundado pela fisioterapeuta Giani Fonseca.
Com três anos de existência, o projeto atende de graça pacientes que fizeram mastectomia (remoção da mama) no SUS (Sistema Único de Saúde) e precisam de reabilitação especializada, mas não podem pagar pelo procedimento.
“Às vezes, algumas pacientes com câncer de mama retiraram um quadrante, que é uma perda menor, mas está perto da axila. Se ela tiver uma dificuldade ou perda do movimento do braço, incluímos essa mulher no grupo. Caso contrário, privilegiamos mesmo a mastectomizada”, explica Giani.
Na maior parte dos casos, a mastectomia limita o movimento do ombro e do braço devido à retirada da mama, raspagem do tumor, deslocamento da musculatura peitoral e do esvaziamento axilar dos linfonodos para evitar metástase.
Ana, que precisou retirar uma das mamas, está no projeto desde 2024. “Aqui encontrei amor. Eu me reencontrei como mulher, porque não é fácil perder o cabelo, se aceitar sem a mama. Num piscar de olhos, tudo muda. E aqui eu encontrei a aceitação. A vida continua. Por causa do projeto, consigo ir à frente do espelho e me aceitar”, diz Ana Lúcia.
“A fisioterapia me devolveu o movimento do braço. Eu consigo levantar, fazer meu serviço de casa e cuidar das minhas coisas como antes [do câncer de mama], afirma Ana.
A secretária Tamilis Lucas da Silva, 35, também sentiu um caroço na mama durante o autoexame. Procurou um médico, fez ultrassom e descobriu que eram dois -um deles, menor do que um grão de feijão. A doença, descoberta em 2022, atingiu 11 linfonodos axilares. Após a retirada da mama, surgiu metástase óssea em duas costelas.
“Não consegui terminar a quimioterapia branca porque sou alérgica. Tive parada cardiorrespiratória. Adiantaram a minha cirurgia para ver se os tumores não cresciam novamente. Fiz a mastectomia radical e, no ano passado, em dezembro, descobri a metástase óssea em duas costelas. Desde então, comecei o tratamento com o medicamento capecitabina. Quase parei de andar, porque deu síndrome mão-pé [efeito colateral de alguns tipos de quimioterapia]. Das minhas unhas dos pés escorriam sangue e pus”, conta Tamilis.
“Aí encontrei essas maravilhosas do projeto. Elas cuidam de nós como seres humanos. Quando descobrimos um câncer, perdemos a identidade. Deixei de ser a Tamilis para ser a mulher que tem câncer. Aqui somos acolhidas como pessoas, não como doentes, e tratadas com amor e respeito. Não quis colocar prótese mamária porque um seio não me faz menos mulher. Eu só não tenho um peito, mas a Tamiles está aqui. O câncer nunca me pertenceu, veio para me transformar.”
Tamiles conheceu o projeto por meio de uma fisioterapeuta do Hospital da Mulher. Desde 2023, quando iniciou os atendimentos, a paciente teve melhora na dor e mobilidade do braço.
“Quando cheguei aqui, mal conseguia vestir uma blusa sem o auxílio das minhas filhas. Hoje em dia, eu visto um sutiã, uma blusa sem precisar de ajuda”, conta Tamilis.
Os encontros acontecem quinzenalmente, aos sábados pela manhã, em um espaço nos Jardins, na zona sul de São Paulo. No local, atuam 18 voluntários -entre fisioterapeutas, psicólogos, administrativo e a terapeuta reikiana.
Galeria O que você precisa saber sobre mamografia Procedimento é maior aliado na detecção precoce do câncer de mama https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1780193414608505-o-que-voce-precisa-saber-sobre-mamografia *** A reportagem acompanhou os atendimentos no dia 30 de agosto. As pacientes são recepcionadas com um café da manhã e depois passam por sessões de drenagem linfática e manipulação miofascial, exercícios de fortalecimento muscular na academia interna e roda de conversa com uma terapeuta sexual, em que há troca de experiências a respeito de vários aspectos.
No dia da visita da Folha, a discussão foi sobre cabelos. Há uma terapeuta reikiana para quem quer usufruir da prática. Psicólogos realizam terapia online se a pessoa solicitar.
“É necessário soltar a musculatura para o movimento [do braço] acontecer, senão ele vai ficar curto e fraco, porque se não movimenta, você não consegue fortalecer. Passamos para cada uma, pelo WhatsApp, uma série de exercícios para serem feitos em casa”, explica Giani.
Segundo a terapeuta sexual Luana Lima, 35, as mulheres levam para o bate-papo questões como a compreensão do que é o novo corpo mastectomizado.
“O que é o corpo que perdeu uma mama e o cabelo? Elas vêm muito com esse sentido de que perderam a representação do seu feminino e deixaram de ser mulher por conta disso. Então, muitos questionamentos são sobre como reconstroem a autoestima a partir do novo corpo. Em relação à sexualidade, é a recompreensão de como elas podem se sentir atraídas pelo próprio corpo”, diz Luana.
“A roda de conversa serve para que elas entendam que não são as únicas vivendo esse processo. E que com a troca podem aprender uma com a outra”, completa.
O projeto FisioOnco não tem parceria com o SUS, recebe apoio mensal de alguns pacientes e amigos. Em 2023, o filósofo e professor Mário Sérgio Cortella doou a renda de uma de suas palestras para a iniciativa. No mesmo ano, a fisioterapeuta obteve o registro formal de ONG com o nome Associação Projeto FisioOnco.
Pelo projeto, ao longo dos três anos, passaram 100 mulheres e um homem. Não há limite de idade e nem geográfico. O tempo de permanência depende da evolução de cada caso.
Para participar, é preciso passar por uma triagem. Interessados devem entrar em contato com o número (11) 97065-4747, pelo WhatsApp.