RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Noite de sábado em Copacabana, uma garoa fina dá sinais de um inverno atípico no Rio de Janeiro, mas isso não afugenta um grupo de homens diante do acesso ao subsolo onde está uma das casas noturnas mais longevas do país. A história da boate gay La Cueva se entrelaça com um ponto antagônico da história do Brasil.
Aberta em 6 de janeiro de 1964, sua inauguração ocorreu quatro meses antes do início da ditadura militar no país. A repressão durou até 1985, enquanto “A C averna” (da tradução do espanhol) resiste bravamente há 61 anos, sempre no mesmo endereço, com foco no público LGBTQIA+.
“É a mais antiga da América Latina, e a terceira do mundo”, avisa o atual dono, Marco Antônio Reís, que adquiriu o local há dois anos, mantendo o perfil original da casa: o público maduro e urso (gordinho peludo). Após descer um lance de escada, o bar homônimo da boate, na parte externa, é uma das poucas mudanças que o empresário fez.
Funcionário há 31 anos, João Alexandre abre a porta de ferro que dá acesso à boate, onde uma confraria masculina se encontra as sextas e sábados para se divertir. O espaço, embora pequeno, acomoda 200 pessoas, com paredes onduladas, simulando uma caverna, com mesas e sofás nos cantos, um bar amplo, e sete TVs exibindo clipes.
Na pista, homens grisalhos, calvos, gordinhos, magros e seus admiradores mais jovens dançam, bebem e conversam ao som de canções antigas que remetem a juventude de muitos deles.
A La Cueva rompeu barreiras, sobreviveu à ditadura, à epidemia da Aids nos anos 1980, às crises econômicas no país e recentemente aos avanços digitais.
Indagado sobre a longevidade, Reís credita à clientela madura fiel e a uma nova percepção sobre a velhice. “No passado, as pessoas com 50 anos já eram tidas como velhas, hoje alguém com 50 está no esplendor da vida e da maturidade”. O sócio dele no comando da casa é seu companheiro.
O proprietário também considera que esse perfil de público não tem tanta afinidade com as mídias digitais. “Eles querem ver, tocar, o olho no olho, tudo é mais real, e muitos não têm intimidade com a Internet.”
Sem hora para dormir
Na pista de dança, todos se jogam ao som de hits remixados dos anos 1970 e 1980, onde o flerte também acontece. Breno, 60, calvo e barbudo, morador da Tijuca, contou que frequenta a casa há anos e que gosta do local pela música.
Outro frequentador antigo disse que também frequenta os locais gays da região central, apesar de viver no Recreio, zona oeste do Rio. A pista também tinha espaço para turistas estrangeiros, que dançavam animados.
Mesmo aqueles que nunca foram a La Cueva conhecem o veterano espaço. Também outras casas, no passado, fizeram sucesso, como a Le Boy, já fechada.
Não era incomum, conta Reís, os mais novos torcerem o nariz para o público da La Cueva. Entretanto, lembra, a maturidade chega para todos. “Eles iam às outras, mas, tempos depois, vieram todos parar aqui”.
Durante 59 anos, a La Cueva pertenceu ao empresário Eduardo Gonzales, 92, um espanhol heterossexual que se apaixonou pelo Rio ao desembarcar em 1947.
Na ditadura, a casa teve que lidar com as constantes batidas policiais, em diversas ocasiões, e seu funcionamento foi suspenso por semanas pela opressão.
“As pessoas em 1964 vinham aqui escondidas, elas ficavam nos cantos mais escuros, a pista de dança era onde os mais audaciosos dançavam”, conta Reís, que frequenta a La Cueva desde os anos 1980.
Naquela época, os frequentadores não beijavam na boca, e a paquera era menos ousada, para um público que ainda estava no armário. Em 1974, um arquiteto, amigo de Gonzalez, sugeriu uma nova decoração. Foi quando surgiu a alusão a uma caverna, no subsolo do bairro turístico.
Reís manteve o legado deixado por Gonzales, desde a ornamentação aos funcionários, todos eles antigos.
Antônio Deluna é um deles, começou como segurança há 20 anos, e hoje faz parte do staff. “É muito mais fácil trabalhar com o público gay, acho ótimo”, diz ele, ressaltando também a ausência de confusões, algo comum nas casas para público hétero pelas quais passou.
Enquanto observa as falas de Deluna, Reís reflete sobre o espaço tradicional da cena gay do Rio: “A La Cueva permite mostrar às gerações mais novas as nossas memórias, a vida gay; que para chegar à liberdade que temos hoje, já houve tempos muito difíceis”.
Eram quase 2h, e o bar para ursos na parte externa seguia cheio, assim como a pista de dança. O público maduro da Caverna não dorme cedo e dança até a última música como na canção “Last Dance”, na voz de Donna Summer, um dos muitos hits tocados naquela noite.
BOATE LA CUEVA
Inauguração: 6 de janeiro de 1964
Público: LGBTQIA+ – público maduro e urso (gordinho peludo)
Horário de funcionamento: de quinta a domingo, a partir das 22h
Endereço: R. Miguel Lemos, 51 – Copacabana, Rio de Janeiro – RJ, 22071-000
Telefone: (21) 3495-2772