SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Em praticamente todas as culturas humanas, membros do sexo masculino tendem a ser mais violentos, em média, mas esse padrão muitas vezes se inverte no que diz respeito a uma forma muito específica de violência: os cascudos que as pessoas costumam dar em seus irmãos e irmãs. Nesse caso, indica um novo estudo, as meninas frequentemente podem ser mais brutas que os meninos.
O trabalho, que recolheu dados em 24 países, incluindo o Brasil, mostra como a relação entre a violências e as diferenças entre os sexos é complexa na nossa espécie, recebendo influências tanto da cultura quanto de fatores biológicos, ligados à teoria da evolução.
Embora a explicação, nesse caso, ainda não esteja 100% clara, os autores da pesquisa apontam que os padrões distintos poderiam ser explicados pelas diferentes formas de competição que as pessoas enfrentam desde cedo no ambiente familiar e no ambiente externo.
O trabalho, que saiu recentemente na revista especializada PNAS Nexus, foi coordenado por Michael Varnum, do Departamento de Psicologia da Universidade do Estado do Arizona (sudoeste dos EUA). Também assina o estudo uma grande equipe internacional que inclui um trio de pesquisadores do Instituto de Psicologia da USP: Anthonieta Looman Mafra, Marco Antonio Correa Varella e Jaroslava Varella Valentova. Os pesquisadores da universidade paulista têm participado de vários outros estudos comparativos semelhantes, tentando mapear elementos comuns do funcionamento psicológico humano em diferentes culturas.
Justamente por causa desse objetivo, a amostra com participantes de 24 países (num total de 4.013 voluntários) buscou abranger uma ampla gama de sociedades mundo afora, em todos os continentes (das Américas à Oceania, passando pela África) e incluindo países ocidentais (França, Alemanha), muçulmanos (Turquia, Paquistão) e orientais (Coreia do Sul, Tailândia), entre outros.
Cerca de 70% dos participantes eram do sexo feminino, com idade média de 26 anos e entre dois ou três irmãos ou irmãs na família -variáveis que a equipe levou em conta, em termos estatísticos, para tentar evitar vieses em suas conclusões.
Um estudo feito com voluntários americanos já havia trazido algumas evidências de que o padrão de comportamentos violentos, bem mais associado ao sexo masculino nas interações com pessoas fora da família, podia se inverter na relação entre irmãos.
Para verificar isso em termos multiculturais, a equipe submeteu os participantes da nova pesquisa a um novo questionário sobre comportamentos agressivos considerados “diretos” (bater no irmão ou gritar com ele quando era criança ou na fase adulta da vida) ou “indiretos” (falar mal do irmão dentro e fora da família, tanto na infância quanto na vida adulta).
Também perguntaram a cada participante sobre esses comportamentos agressivos tendo como vítimas pessoas de fora da família. Os dados são autorrelatados, o que, claro, envolve um grau considerável de imprecisão, mas esse é o padrão de muitos outros estudos do ramo, o que, pelo menos, permite que eles sejam comparáveis.
Quando a agressividade direta e indireta era dirigida contra pessoas de fora da família, os questionários aplicados pela equipe corroboraram o que já tinha aparecido em outros estudos: enquanto a agressividade direta era maior do lado do sexo masculino, não houve diferença significativa entre os sexos quanto à agressividade indireta.
No entanto, nas interações violentas entre irmãos, houve diversos casos em que as meninas foram mais agressivas na infância (batendo nos irmãos com mais frequência na Áustria, na Nova Zelândia, no Paquistão, na Coreia do Sul, na Espanha e no Reino Unido, por exemplo, e gritando mais com eles em nove dos países) e, em alguns casos, também na vida adulta, principalmente no que diz respeito aos gritos (em seis dos países, nesse caso). O contrário, com mais agressividade masculina do que feminina contra irmãos, quase nunca foi verificado. No caso da agressividade indireta, os resultados foram muito mais equilibrados, mas ainda com ligeira predominância feminina.
Como explicar as diferenças? De acordo com o pensamento tradicional da psicologia evolutiva, a área de pesquisa que busca conectar o funcionamento da mente humana com a teoria da evolução, membros do sexo masculino tendem a competir mais ferozmente com indivíduos de fora do seu círculo familiar, em busca de uma posição dominante e mais prestígio social.
No entanto, irmãos também competem entre si por recursos oferecidos pelos pais (no caso humano, por acesso a bens, oportunidades de educação etc.). Do lado dos pais, muitas vezes não há interesse de que irmãos se saiam melhor do que irmãs nessa disputa, e há algumas evidências de que eles tendem a ser mais rigorosos na punição ao comportamento agressivo de meninos contra as meninas da família.
Por fim, há a chamada aptidão inclusiva: o fato de que, por compartilharem, em média, 50% das cópias de seus genes, irmãos não deveriam entrar numa competição muito severa entre si, já que atrapalhar as chances futuras de reprodução uns dos outros acabaria sendo ruim para o seu próprio futuro genético. Com isso, é possível que, no ambiente familiar, os irmãos tendam a reduzir a agressividade contra as irmãs, enquanto elas se sintam com mais liberdade para competir com eles.