SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes de Viviane existir, Gabriela Loran já sonhava com ela —ou, pelo menos, com tudo o que ela representa. Mulher trans e com quase uma década de carreira, a atriz vinha há anos buscando um papel que não fosse definido por sua identidade de gênero.

Uma personagem com vida própria, centro da própria narrativa, e não apenas um satélite girando em torno de outros personagens. A hora de interpretar alguém com essas características chegou com a novela “Três Graças”, prevista para estrear 20 de outubro.

Na trama de Aguinaldo Silva, que vai substituir “Vale Tudo” na faixa das 21h na Globo , Viviane é farmacêutica, tem nuances e, além de ser a melhor amiga da protagonista Gerluce (Sophie Charlotte), é peça-chave na investigação de um esquema de medicamentos falsificados que ameaça a saúde de sua comunidade. “A Viviane tem camadas, ela é forte, sensível e transita por vários núcleos da novela. Isso é muito importante”, diz Gabriela à Folha de S.Paulo.

Assumir a personagem também significa desafiar a lógica que muitas vezes restringe atrizes trans a papéis secundários ou estereotipados. “É um orgulho ocupar esse espaço [como atriz trans], mas não quero que isso seja o único recorte sobre mim”, afirma.

“Eu nasci trans, vou morrer trans. Mas trans não define a mulher que eu sou. Ser trans é a minha condição de vida, mas não me define. Sou atriz, poetisa, diretora, compositora, sou muita coisa.”

Essa perspectiva também guiou o modo como se preparou para viver o relacionamento de Viviane com Leonardo (Pedro Novaes), herdeiro de uma das famílias poderosas da trama —e ligado ao mesmo sistema que ela e Gerluce tentam desmascarar.

Gabriela conta que teve receio de como seria essa troca, por considerar essencial tratar com cuidado os temas que atravessam a trajetória de Viviane. “Quando descobri que a gente ia ter essa troca e que ele estava disposto a me ouvir, a entender as minhas mazelas, a entender a história de alguém como eu, fiquei extremamente feliz.”

Estar em “Três Graças” também marca um rito de passagem. “É a minha primeira novela das nove do início ao fim. Em ‘Renascer’ eu só participei de uma parte, agora estou vivendo todas as etapas, desde a preparação até as gravações em São Paulo.”

Apesar de já ter feito outros trabalhos como “Malhação: Vidas Brasileiras” (2018), Gabriela diz que seu rosto ainda é mais reconhecido pelos vídeos que publica nas redes sociais. “Muita gente não sabe que sou atriz. Também mudo muito de visual —às vezes loira, às vezes morena, às vezes mais magra, às vezes com o rosto diferente— e as pessoas não associam a imagem aos personagens que fiz”, conta.

Agora, quer que essa imagem se firme. “Quero consolidar de vez minha carreira como atriz. Estou até repaginando meu estilo, deixando de lado os conteúdos de humor e indo para um lugar mais de beleza e mais conceitual”, conta a atriz.

A trajetória até aqui, diz ela, foi construída com persistência. Gabriela conta que desde criança ouvia que deveria estar no palco, mas que a falta de recursos da família a impedia de tentar. O primeiro emprego foi em uma farmácia —assim como sua personagem de “Três Graças”— depois trabalhou como garçonete, até conseguir estudar artes cênicas. “Não fui eu que escolhi a profissão, foi a profissão que me escolheu”, define.

Gabriela reforça que não quer ser reduzida ao rótulo de “atriz trans”. “É um orgulho ocupar esse espaço, porque não é um espaço tão acessível, mas também é chato às vezes, porque não quero ficar limitada a isso”, afirma. Um dos sonhos dela, por exemplo, é viver uma mãe em uma novela. “Será que um dia vão achar crível que eu viva uma mãe? Eu quero poder fazer de tudo.”

Ela diz que, embora a presença de atrizes negras tenha crescido na TV, a de pessoas trans ainda é rara. Por isso vê seu papel em “Três Graças” como um passo nesse caminho. “Estar na novela das nove é um avanço, porque consolida esse espaço que a gente vem reivindicando. Mas eu quero mais. Quero atuar com pessoas como eu, com mulheres negras, com pessoas trans, com gente que veio da periferia como eu. Quando estou nesse lugar, trago muita gente comigo, muita ancestralidade e representatividade também”, diz Loran

Olhando para frente, ela não esconde a ambição. Quer viver grandes protagonistas, no Brasil e fora dele. “Quero que os autores olhem para mim e vejam potência”, diz. Gabriela lembra que já foi protagonista do filme português “O Último Animal”, pelo qual ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Petrópolis e foi indicada ao Los Angeles Brazilian Film Festival. E completa, sorrindo: “Meu sonho maior? Ganhar um Oscar. Bagagem e formação eu tenho, só falta oportunidade.”