SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Influenciadores do mundo fitness, que antes divulgavam lojas clandestinas de anabolizantes, adotam agora novas estratégias para aproximar seus seguidores dos vendedores, que operam à margem da lei.
A mudança nessa dinâmica sucede uma operação da Polícia Civil de São Paulo, em 5 de agosto, que desarticulou a marca Red Shark, uma das maiores do segmento no Brasil.
A Folha de S.Paulo constatou que o acesso às drogas ainda é acessível. Em menos de uma hora, é possível entrar em contato com vendedores, negociar e efetuar o pagamento. Depois, os anabolizantes são enviados pelos Correios ou por transportadoras.
O uso de esteroides anabolizantes é vedado pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) para fins estéticos desde 2023. A compra é liberada em farmácias, com prescrição médica, para determinados tipos de reposição hormonal. Laboratórios clandestinos, porém, produzem e vendem os produtos, utilizados para ganho muscular por praticantes de musculação.
A Folha de S.Paulo monitorou, entre os dias 18 e 22 de agosto, perfis de influenciadores com histórico de divulgação de esteroides nas redes.
Alguns deles agora ocultam a divulgação, mas não deixaram de fazê-la. Um desses influenciadores, Renato dos Santos Lopes, foi alvo de busca e apreensão em Campo Grande, no dia 5 de agosto, no âmbito da operação contra a Red Shark.
A casa do influenciador foi vistoriada pelos agentes, e ele foi ouvido na delegacia e liberado depois. Segundo a polícia, as investigações ainda estão em curso.
Conhecido como Pobre Loco, Lopes tem 1,7 milhão de seguidores no Instagram, rede na qual continua a fazer propaganda das drogas.
Em story publicado no dia 19 de agosto, em meio a outros sobre diferentes temas, ele inseriu um link cujo texto dizia “Lander de Fonte”. O clique levava para um número no WhatsApp que negociava os produtos.
Na tabela há drogas como deca durabolin e hemogenin, da marca Lander, um laboratório clandestino popular no mundo fitness. A segunda droga é uma das que mais causam danos ao fígado. Os valores variam de R$ 90 a R$ 150.
O influenciador foi procurado pelo telefone disponibilizado em seu perfil, mas não atendeu aos contatos da reportagem.
Outro nome da “maromba” como se apelida o nicho da musculação no Brasil aproveita a madrugada para divulgar os links de vendas. Trata-se de Leonardo Scarpelly, o Leleo, um dos mais antigos nesse meio.
Na madrugada dos dias 19, 20, 21 e 22 de agosto, ele publicou vídeos similares, anunciando “promoção da madrugada” na loja clandestina. Nos vídeos, um link direcionava para um perfil no WhatsApp com o código de área da Grande São Paulo.
“Na compra de três [unidades de anabolizantes] você leva quatro. E na compra de quatro, você leva cinco mais o frete grátis. Na compra acima de oitocentas pratas, você leva dois produtos de brinde, mais o frete”, disse Scarpelly nos vídeos. Procurado, ele também não atendeu ao contato da Folha de S.Paulo.
A reportagem simulou uma compra com os vendedores indicados por ambos. O modus operandi é similar e a negociação é fácil. Primeiro, os vendedores enviaram uma tabela com todos os produtos e seus respectivos preços, que variam de R$ 100 a R$ 300. A conversa seguiu até o momento do pagamento, quando foi encerrada.
O delegado Ronald Quene, da 1ª Cerco (Corpo Especial de Repressão ao Crime Organizado), disse que a polícia busca prender outros líderes da Red Shark.
A operação terminou com 26 presos inclusive os donos da marca, detidos pela Interpol no Paraguai. Quene destacou que os influenciadores se sentem blindados, pois acham que a divulgação não configura crime.
“A atuação dos influenciadores é parte da estrutura de divulgação da organização criminosa. O artigo 273 do Código Penal já permite o enquadramento penal dessas condutas. No entanto, a dificuldade em alcançar e punir influenciadores, sobretudo quando utilizam perfis intermediários (camuflados de farmacêuticas), pode evidenciar lacunas na execução penal”, afirmou.
RISCOS
Os riscos de usar anabolizantes sem acompanhamento médico vão desde efeitos colaterais leves, como o surgimento de espinhas, até morte cardiovascular.
O médico Fabio Carrara, endocrinologista do hospital Nove de Julho, destaca que essas substâncias têm alto potencial de dependência, o que eleva os riscos.
“Uma vez utilizado o anabolizante, o paciente tem uma sensação instantânea de bem-estar, aumento da libido, disposição e vigor físico. É uma sensação ilusória, pois essas drogas desregulam o eixo hormonal e, quando o paciente interrompe o uso, perde tudo. Há casos em que a pessoa fica deprimida e recorre a uma nova dose”, explica.
Problemas mais comuns são aumento da acne e da oleosidade da pele. O uso contínuo pode incorrer também em surgimento de mamas e queda de cabelo (nos homens) e aumento do clitóris e engrossamento da voz (em mulheres).
O uso de anabolizantes pode resultar em aumento da agressividade e outros transtornos comportamentais, segundo o pesquisador Marcel Segalla, da Faculdade de Medicina da USP.
Ele destaca que as drogas sozinhas não condicionam comportamentos, mas os intensificam, seja pela presença excessiva do hormônio no corpo ou pela falta dele.
O pesquisador, cujo trabalho é baseado em análises de usuários que recebe na USP, afirma que, no grupo que estuda, todos os indivíduos possuem algum dos sintomas. Maior parte dos usuários, ele diz, são homens das classes C e D.
“Seguranças, motoristas de aplicativo e bombeiros, por exemplo. Apesar de essa ser uma percepção desse grupo específico, que o uso dos anabolizantes atinge justamente quem tem menos acesso à saúde, como ocorre com outras drogas”, explica.
Segundo a Anvisa, foram removidos 2.806 anúncios de produtos contendo anabolizantes entre novembro de 2021 e dezembro de 2024.
Esta reportagem foi produzida durante o 10º Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde da Folha de S.Paulo, patrocinado pelo Laboratório Roche e pelo Einstein Hospital Israelita.