VIENA, ÁUSTRIA (FOLHAPRESS) – O único tratado internacional capaz de proibir testes de bombas atômicas vai completar 30 anos em 2026 sem entrar em vigor. O CTBT, sigla em inglês do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, foi aberto a assinaturas em 1996. Desde então, recebeu quase 200 adesões —incluindo algumas das atuais potências nucleares—, mas ainda permanece travado por resistência de um pequeno grupo de países.

O CTBT foi concebido para impedir devastações ambientais e humanas como as ocorridas nas Ilhas Marshall, onde 67 bombas atômicas foram lançadas pelos EUA em 20 anos, ou em Semipalatinsk, no Cazaquistão, onde a URSS realizou quase 500 explosões nucleares, de 1949 a 1989. Além disso, um dos efeitos indiretos do tratado seria o de frear a corrida nuclear em si mesma, uma vez que o desenvolvimento de novas armas depende de novos testes.

Seu lançamento, em 1996, foi recebido com entusiasmo: 187 países assinaram, dos quais 178 ratificaram. A assinatura demonstra a concordância com o teor do texto e a intenção de aderir a ele, enquanto a ratificação formaliza esse compromisso, após aprovação do Congresso e sanção presidencial em cada país.

Como o CTBT diz respeito a testes de armas atômicas, ficou estabelecido que ele só entraria em vigor após a ratificação de um grupo específico, de 44 países que detinham à época capacidade nuclear, fosse para fins pacíficos ou militares. O Brasil faz parte desse grupo e aderiu em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso. China, Egito, Irã, Israel, Rússia e EUA assinaram, mas não ratificaram, enquanto Índia, Paquistão e Coreia do Norte nem sequer assinaram.

Indianos e paquistaneses evitam se comprometer por causa das tensões fronteiriças entre as duas potências nucleares, enquanto a Coreia do Norte —país responsável pelo último dos testes detectados, em 2017— prefere manter suas ameaças atômicas vivas, como forma de barganha internacional. No caso dos EUA, o presidente Bill Clinton assinou o tratado em 1997, mas o Congresso americano se recusou a ratificá-lo na sequência. Em resposta, a Rússia, que já havia ratificado, recuou ao estágio apenas de assinante, buscando paridade com a potência rival.

Desde então, o quadro se deteriorou ainda mais, fazendo crescer os temores de um retrocesso ainda mais radical. “Há agora uma série de pontos de tensão geoestratégica, particularmente na área de armas nucleares, que despertam preocupações”, disse à Folha o australiano Robert Floyd, secretário-executivo da CTBTO, organização ligada ao tratado, que é responsável pela detecção e o monitoramento de testes atômicos no mundo. “Ouvimos falar de alguns Estados que podem usar armas nucleares, alguns que podem testar ou voltar a testar armas nucleares e outros, nos quais há acúmulo de grandes quantidades de urânio altamente enriquecido para fins que são difíceis de entender.”

O clima na abertura do encontro da CTBTO, em Viena, na segunda-feira (8), foi de apreensão com o aumento de tensões geopolíticas que envolvem potências militares, como no caso do conflito na Ucrânia, que opõe interesses da Rússia e da Otan, e também do contexto das tensões entre Índia e Paquistão. “O perigo nuclear está crescendo”, disse a ministra austríaca de Relações Exteriores, Beate Meinl-Reisinger. “A cooperação é mais importante hoje do que nunca, pois vemos como o multilateralismo está sendo testado”.

O Brasil foi representado pelo presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear, Francisco Rondinelli Júnior, que anunciou à direção da CTBTO a decisão de construir, no Recife, até 2026, uma estação de detecção de radionuclídeos, capaz de captar na atmosfera a presença de gases nobres e outros elementos químicos produzidos quando alguma bomba atômica é detonada, mesmo em testes subterrâneos, em qualquer parte do mundo.

O país já possui uma estação com essas características no Rio de Janeiro. A segunda, no Recife, vai completar o ramal da América Latina e Caribe da rede mundial de detectores de radionuclídeos, peça chave do tratado. Além dessas duas estações, o Brasil oferece à rede informações captadas por outras seis unidades, dedicadas a monitoramentos sísmicos, hidroacústicos e de infrassom.