SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O boreout, termo que significa um esgotamento no trabalho causado pelo tédio, é o “primo silencioso” do burnout, relacionado à sobrecarga corporativa. Enquanto o segundo está ligado à pressão e ao excesso de trabalho, o primeiro costuma aparecer quando há falta de desafios e sensação de subutilização.
“Os dois têm em comum a desmotivação, mas por razões opostas”, afirma o médico Marco Antonio Spinelli, mestre em psiquiatria pela USP (Universidade de São Paulo). No burnout, o profissional se esgota por fazer demais; no boreout, porque não faz nada que faça sentido.
O principal, segundo especialistas, é a desvalorização do profissional, que não sente que seu trabalho faz diferença para a empresa.
“O boreout não nasce do colaborador, ele é cultivado por ambientes de trabalho que ignoram as potencialidades do indivíduo”, afirma a neuropsicóloga Gabriele Zanelato, especializada em neurociência pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
O psicanalista Francisco Nogueira, criador do projeto Relações Simplificadas, compara o fenômeno a uma “tortura de filme”, quando uma vítima é presa em um quarto branco e vai à loucura. “O estresse pode surgir tanto pelo excesso quanto pela falta de estímulos”, diz.
Segundo a psicóloga e palestrante Thirza Reis, alguns sintomas são apatia, torpor, procrastinação, dificuldade de concentração e o chamado presenteísmo (quando a pessoa está fisicamente presente, mas psíquica e emocionalmente ausente).
O esvaziamento de significado pode até abrir caminho para a depressão, diz. “A pessoa sente que tanto faz fazer ou não fazer, que não é vista nem reconhecida.”
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1. APATIA, MAIS DO QUE A ANSIEDADE
Um dos primeiros sinais de boreout é a apatia, uma espécie de desligamento silencioso. No burnout, segundo Thirza Reis, costumam surgir sinais como ansiedade, insônia, irritabilidade, fadiga. Já no boreout os sinais aparecem como apatia e alheamento ao trabalho, uma falta de entusiasmo que vai “esvaziando a pessoa por dentro”. O trabalhador até comparece, mas já não encontra motivação para se envolver.
Essa apatia não deve ser confundida com preguiça. É um sintoma de adoecimento que mina, aos poucos, a relação da pessoa com sua atividade. “É como se a pessoa fosse se esvaziando de significado, até que se sente apenas cumprindo tabela”, diz Thirza.
2. O QUE ERA POUCO TRABALHO SE TORNA MUITO COM A PROCRASTINAÇÃO
Outro indício forte, de acordo com Gabriele Zanelato, é a procrastinação, quando o profissional passa a adiar constantemente tarefas, mesmo as mais simples. A pilha de afazeres cresce, mas a antiga energia para enfrentá-la diminui.
“Muitas vezes, a pessoa não encontra estímulo nas atividades propostas, o que reforça o ciclo do tédio e da estagnação”, afirma Gabriele.
3. SENSAÇÃO DE INUTILIDADE
O boreout também se manifesta na sensação de que o próprio trabalho não importa. “A pessoa sente que tanto faz se fizer ou não, que não está sendo vista nem reconhecida”, afirma Thirza. Essa percepção de invisibilidade corrói a autoestima e reforça a desmotivação.
Esse vazio costuma ser silencioso. Segundo Thirza, “quando o colaborador não encontra sentido nem reconhecimento, ele começa a acreditar que não tem relevância alguma”. A médio prazo, esse processo pode se transformar em um quadro mais grave de desesperança e depressão.
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PEÇA DESAFIOS
Uma das formas mais diretas de combater o boreout é assumir uma postura ativa diante da chefia. O psiquiatra Marco Antonio afirma que “o boreout está sempre no meio de uma relação difícil com a chefia. O caminho é o oposto da apatia: pedir mais atribuições, conversar e até procurar outra função se necessário”. Ou seja, em vez de esperar que as coisas mudem sozinhas, o profissional precisa reivindicar tarefas que o estimulem.
Segundo Marco, a ausência de desafios é um terreno fértil para o esgotamento silencioso. “Ficar apático e retraído só reforça o vazio. Quando o colaborador pede mais responsabilidades, ele sinaliza que quer se engajar, e isso pode abrir espaço para um redesenho das atividades”, explica.
MANTENHA-SE CURIOSO
A curiosidade também é uma ferramenta poderosa contra o tédio. Para a psicóloga Aline Graffiette, fundadora da Mental One, “pessoas curiosas dificilmente caem no tédio, porque estão sempre buscando algo novo para integrar na rotina e melhorar o dia a dia”. O hábito de questionar, aprender e propor novidades ajuda a quebrar a monotonia.
“Quando o trabalhador traz elementos novos para sua experiência, ele amplia seu repertório e resgata o entusiasmo. O tédio perde espaço quando há estímulos constantes”, diz Aline.
CRIE VÍNCULOS REAIS
As conexões humanas também funcionam como antídoto. Thirza Reis destaca que “marcar um café com um colega e ter conversas genuínas ajuda a combater o vazio. A conexão humana é um remédio contra o esvaziamento”. Trocar experiências e compartilhar preocupações devolvem um sentido coletivo ao trabalho.
Segundo Thirza, o isolamento só agrava o quadro. “Quando a pessoa se fecha, a sensação de vazio aumenta. Já quando há vínculos, o trabalho deixa de ser apenas tarefa e passa a ser espaço de encontro. Isso ajuda a recuperar a motivação”, afirma.
EQUILIBRE OBJETIVOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS
O boreout também nasce da falta de alinhamento entre expectativas individuais e demandas do cargo. Para Gabriele Zanelato, “o colaborador precisa ter clareza do que busca. Aceitar apenas tarefas que não estimulam leva à sensação de inutilidade”. Saber quais são os próprios valores ajuda a filtrar o que realmente faz sentido no dia a dia.
Quando esse equilíbrio não existe, o vazio aparece. “Profissionais que não buscam desafios ou evitam se posicionar tendem a cair na estagnação. É preciso ter objetivos pessoais bem definidos para não aceitar funções que só reforçam a falta de propósito”, diz Gabriele.