RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Tramita no STJ (Superior Tribunal de Justiça) um processo que envolve a posse de um conjunto de três edifícios na praia do Flamengo, na zona sul do Rio de Janeiro.

A disputa envolve a Santa Casa da Misericórdia, proprietária original dos prédios, e advogados que representam cerca de 40 famílias que ocupam os apartamentos.

O BTG Pactual, que o comprou em leilão, é um dos interessados no processo.

Os moradores são apoiados pela Fist (Frente Internacional Sem-Teto), que desde agosto estendeu na fachada do prédio a faixa “Abaixo o terrorismo da Santa Casa” e batizou a ocupação de Rubens Paiva.

Uma ordem de despejo é preparada para ser cumprida este mês e deve envolver as polícias Militar e Federal. Enquanto isso, a Procuradoria do Rio de Janeiro avalia entrar no caso.

O conjunto de prédios —Anchieta, Barth e Nóbrega— foi penhorado em 2021 e arrematado em 2024 por R$ 75 milhões pela dupla Perfomance Empreendimentos e BTG Pactual, através do Enforce Group, braço do banco que atua na compra e venda de ativos desvalorizados.

Procurado, o BTG não se manifestou.

No período entre a penhora e o arremate, famílias ocuparam parte dos apartamentos. Em outros imóveis já havia inquilinos regulares.

A partir da pandemia o prédio ficou sem porteiros e vigilantes e elevadores deixaram de funcionar, consequência da crise financeira da Santa Casa da Misericórdia.

A entidade acumulou dívidas e processos na Justiça do Trabalho e precisou se desfazer de bens, incluindo os prédios. São mais de 1.500 credores e execuções trabalhistas que alcançavam em junho o valor de R$ 163 milhões, segundo documentos enviados ao STJ.

Dois dos prédios, Anchieta e Nóbrega, possuem 11 andares e 66 apartamentos cada. O Anchieta foi projetado por Robert Prentice, arquiteto escocês que também projetou a estação Barão de Mauá, na Leopoldina. O prédio é no estilo árt-deco, marca arquitetônica da ascensão da zona sul, na década de 1940.

Intermediários realizaram em 2022 e 2023 a venda da posse de apartamentos a partir de R$ 60 mil, e moradores começaram a entrar no imóvel.

Os imóveis possuem a partir de 100 metros quadrados. Um apartamento deste tamanho no Flamengo é vendido a R$ 1,1 milhão, em média, segundo dados do Secovi-Rio (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação de Imóveis).

Documento obtido pela reportagem mostra que a posse de um imóvel de 160 metros quadrados, avaliado em R$ 950 mil, foi obtida por R$ 60 mil.

Moradores afirmam que foram vítimas de um golpe.

“Tínhamos ciência do leilão, mas disseram que quando houvesse o leilão nos dariam a preferência da compra. Entramos com essa promessa”, afirma a moradora Aline Mota, 35, que vive com a filha no Anchieta.

O principal intermediário da venda de posses foi Carlos Alberto Braga Júnior, que se apresentava como representante da Santa Casa, segundo moradores. A entidade diz que jamais teve relação comercial com ele.

“A Santa Casa lamenta que essas pessoas tenham sido induzidas a erro por terceiros ardilosos, mas em momento algum existiu qualquer documento que outorgasse a representação da venda”, afirmou em nota.

Carlos Alberto foi procurado por telefonema e mensagens, mas não respondeu.

A Santa Casa afirma que os inquilinos pararam de pagar aluguel porque tiveram que dividir os custos de despesas básicas da unidade, como água e funcionamento do elevador, com os demais ocupantes.

Uma denúncia anônima juntada ao processo cível relata que policiais e bombeiros que vivem no prédio formam um suposto grupo armado que coagiria moradores a participar de protestos pela permanência.

Três moradores ouvidos pela reportagem negam a existência de grupo, e afirmam que há moradores de diferentes profissões no local, incluindo policiais.

O processo de expropriação dos prédios tramita na Justiça do Trabalho, mas houve conflito de competência após a Justiça do Rio proferir liminares determinando a manutenção das famílias na posse dos imóveis.

Em março, a Justiça do Trabalho decidiu pela desocupação forçada dos imóveis de quem não conseguiu comprovar o título legítimo, e houve um primeiro despejo. Mas, com liminares em mãos, 56 moradores que se recusaram a sair entraram com ações na Justiça estadual. No mês seguinte, a ministra Maria Isabel Gallotti, do STJ, declarou competência da Justiça do Trabalho.

Alguns moradores assinaram acordo em maio desistindo dos processos. Eles assumiriam a desocupação voluntária até o dia 17 de setembro. Como contrapartida à tolerância do prazo, acordariam em pagar à Santa Casa aluguel de R$ 1.500 mensais, mais R$ 1.200 de condomínio.

“Mesmo que eu tenha assinado um acordo em maio, não houve tempo hábil para se organizar para sair. É muito difícil esse deslocamento. Tenho uma filha que estuda perto, não é fácil mudar a escola. Queremos um prazo, por exemplo, até terminar o ano letivo. Até o momento, 40 famílias estão sem saber para onde vão”, diz Aline.