SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao menos cinco estrangeiros morreram desde julho enquanto estavam presos no Centro de Detenção Provisória 1 de Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo.

As mortes ocorreram após a transferência de mais de mil presos que estavam na Penitenciária de Itaí, a cerca de 300 km da capital.

Após uma vistoria na unidade de Guarulhos, no dia 15 de agosto, defensores públicos estaduais constataram que houve atraso no envio de prontuários médicos dos presos. Segundo a Defensoria Pública, isso fez com que eles deixassem de receber remédios essenciais para tratar doenças crônicas como hipertensão, diabetes, asma e doenças psiquiátricas, entre outras.

Questionada, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou que instaurou procedimento investigatório para apurar as mortes. A pasta disse que os presos receberam atendimento médico e hospitalar, e que todos tinham comorbidades como hipertensão, diabetes, obesidade e HIV.

A transferência dos 1.050 mortos ocorreu em junho, e as duas primeiras mortes foram registradas no mês seguinte. Entre os cinco mortos estão um boliviano, um chileno e um tanzaniano. A SAP não confirmou as nacionalidades dos outros dois mortos.

“Os presos relatam a inexistência do fornecimento de remédios essenciais, como insulina, anti-hipertensivos, bombinhas para asma e psicotrópicos, o que agrava o risco a saúde e pode levar a complicações graves”, afirma o Nesc (Núcleo Especializado de Situação Carcerária) da Defensoria Pública estadual, em documento apresentado à Justiça. “Há relatos de ausência de dietas especiais para diabéticos e de falta de insumos médicos, como sondas urinárias.”

O documento diz, ainda, que além da superlotação da unidade, havia falta de colchões e cobertores suficientes para todos os presos. Isso fez com que alguns dormissem no chão ou em contato direto com o concreto de beliches nas celas.

A inspeção também constatou que havia ao menos um seção da unidade sem chuveiro quente. Isso enquanto a região metropolitana de São Paulo registrava os dias mais frios do ano, em julho.

Em algumas celas havia mais de 20 presos, sendo que a capacidade máxima é para 12 pessoas, segundo relatos de uma advogada. A reportagem também ouviu que, após a transferência, os presos não contavam sequer com escovas de dente na unidade de destino, o CDP de Guarulhos.

Entre os mortos está o boliviano Willy Renfijo Ajata, 60, que tentava provar a inocência num processo de tráfico de drogas. Segundo uma advogada que o atendeu, ele tinha problemas graves de hipertensão, diabetes e deficiência visual.

Apesar de ter relatado dores e mal-estar por mais de uma semana, o atendimento médico demorou e ele foi encaminhado a um hospital quando o quadro de saúde já era praticamente irreversível, segundo sua advogada, que pediu para não ter o nome publicado.

Ele é caminhoneiro e foi preso em Mato Grosso do Sul, no ano passado. A defesa alega que uma passageira a quem ele deu carona carregava drogas sem que ele soubesse. Ele morreu no dia 15 de agosto.

A advogada de Willy afirmou que os presos reclamam de escassez de comida e que só há atendimento médico até duas vezes por semana no centro de detenção. O documento da Defensoria Pública também relata “ausência de atendimento médico regular, de fornecimento de medicamentos e de acompanhamento multiprofissional”.

Os defensores públicos que acompanham a situação carcerária em São Paulo dizem que o número de mortes foi atípico para apenas uma unidade, considerando o período de pouco mais de dois meses.

“É muito assustador dentro de um prazo tão curto”, disse a coordenadora auxiliar do Nesc, a defensora Camila Tourinho.

“No mínimo, tem indícios de uma demora na recepção desses prontuários. Há documentos em que se observa uma demora de 20, 25 dias entre sair de Itaí e chegar em Guarulhos”, afirmou o defensor Leonardo Silveira, também do Nesc, que participou da vistoria.

No primeiro semestre deste ano, foram registradas 282 mortes de pessoas privadas de liberdade em São Paulo —sendo que, destas, 182 foram mortes naturais e 70 não tiveram causa esclarecida.

No ano passado, houve aumento na quantidade de mortos no sistema carcerário paulista: foram 596 mortes, alta de 4,5% na taxa de mortalidade. Mais de 80% das mortes ocorreram por motivos de saúde.

A SAP informou, em nota, que o CDP 1 de Guarulhos conta com dois médicos (um clínico-geral e um psiquiatra) e cinco enfermeiros, e que eles prestaram atendimento aos presos que acabaram mortos. “A unidade oferece materiais de higiene semanalmente e entregou novos colchões nas celas”, disse a secretaria. .