SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – À primeira vista, o desenho de cores vibrantes do colombiano Santiago Reyes Villaveces parece ser de uma colônia de corais. As manchas exuberantes de vermelho, verde, azul e amarelo, porém, disfarçam um significado mais obscuro. A obra foi feita a partir de uma foto da Nasa, a agência espacial americana, para mapear os minerais na superfície lunar com potencial de extração.

Essa é uma das mais de 200 obras que compõem a exposição “Histórias da Ecologia”, novo capítulo da série de mostras do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, que exploram diferentes temas desviando de narrativas hegemônicas na história da arte.

Ocupar as paredes com artistas que refletem sobre a dinâmica entre humanos e ambiente, ao mesmo tempo em que denunciam a exploração desenfreada de recursos naturais por governos e empresas, é um movimento mundial em resposta à urgência das mudanças climáticas.

No começo do ano, o MoMa, em Nova York, um dos templos da arte contemporânea, exibiu “Emerging Ecologies: Architecture and the Rise of Environmentalism”, que retomava projetos de arquitetos preocupados com a preservação ambiental ainda nos anos 1960. Na mesma toada, a Hayward Gallery, em Londres, fez uma mostra que relacionava ecologia e feminismo, enquanto o Hammer Museum, na Califórnia, exibiu trabalhos sobre a intersecção entre a crise climática e as injustiças sociais.

A própria Bienal de São Paulo, que abriu na semana passada, embarcou nessa onda com artistas que resgatam a relação de comunidades com a natureza para imaginar futuros melhores.

Alguns artistas da mostra aparecem, inclusive, nos cinco andares do edifício Pietro Maria Bardi dedicados a “Histórias da Ecologia”. É o caso do coletivo britânico Forensic Architecture, presente com “No Traces of Life: Israel’s Ecocide in Gaza”, uma investigação em formato de mapa que denuncia como os ataques militares de Israel contaminam o solo e impedem a agricultura em Gaza.

Dois brasileiros estão na avenida Paulista e na Bienal. Uma é Maria Auxiliadora, artista do século passado. Suas pinturas mostram pessoas dançando e trabalhando no campo, com roupas típicas da cultura popular.

O outro é Sertão Negro, coletivo de artistas criado por Dalton Paula, que na Bienal tem uma parede inteira de barro para abrigar suas obras. No Masp, eles contam com fotografias a história de José, menino de uma comunidade quilombola que procurava pedras diferentes para trocá-las por enfeites, doces e refrigerantes e, com isso, montar sua própria festa de aniversário.

Se “Histórias da Ecologia” acompanha uma tendência mundial, seu diferencial está em não tentar fazer uma releitura da história da arte com pinturas de paisagens, diz Isabella Rjeille, curadora da exposição ao lado de André Mesquita. Os artistas ali, em sua maioria, são atuais e estão mais preocupados em denunciar um sistema nocivo ao ambiente e aos seres que nele vivem, propondo uma reflexão sobre o que significa viver em comunidade.

Não por acaso, grande parte desse elenco é indígena, como é o caso de Melissa Cody, Chonon Bensho e do coletivo brasileiro Mahku. “Para as sociedades ocidentais, a relação com a natureza sempre foi de distância e dominação. As cosmovisões indígenas não têm essa hierarquização”, afirma Rjeille. “Aqui, o humano não está acima ou abaixo da natureza, mas faz parte dela.”

Essa filosofia está especialmente presente em dois dos cinco núcleos que dividem “Histórias da Ecologia”, a maior exposição feita até agora no novo prédio do Masp, inaugurado em março. São “Teia da Vida”, concentrado em lutas sociais, com cartazes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, o MST, e “Vir-a-Ser”, que se debruça sobre a espiritualidade. Ali está, por exemplo, uma série de desenhos de insetos humanoides de Rosana Paulino.

Já o núcleo “Geografias do Tempo” faz uma crítica à divisão do tempo no sistema capitalista, com a priorização da produtividade e do lucro a qualquer custo. Ele apresenta a obra de Santiago Reyes Villaveces, assim como “And Time Stood Still Until It Disappeared”, da islandesa Thorgerdur Olafsdottir. Essa obra é uma enorme cortina translúcida colorida. Outra vez, as cores escondem algo -a estampa é uma foto microscópica de uma geleira dos anos 1960, quando foi descoberta pela primeira vez a presença de microplásticos nas águas polares.

Nesse mesmo núcleo estão trabalhos dos brasileiros Ana Amorim e Advânio Lessa, conhecido pelas esculturas existencialistas feitas de madeira retorcida. Já Amorim apresenta “Passage of Time Study”, em que a artista contabilizou com tracinhos os segundos de seus dias. Nos anos 2000, ela chegou a enviar cartas a museus que tinham patrocínio de empresas extrativistas, como petroleiras, para negar sua participação em exposições, lembra o curador André Mesquita.

“Territórios, Migrações e Fronteiras” e “Habitar o Clima” fecham a mostra com trabalhos que se debruçam sobre a migração forçada de pessoas provocada por desastres climáticos, geralmente ligados a empresas e governos.

É o caso de “A Arca de Elon Musk”, pintura tragicômica de Nilda Neves que mostra o foguete espacial do bilionário partido de uma floresta. Ou ainda das fotografias da americana Ruby Fraser, que retratou as mulheres de sua família no interior da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Todas tiveram problemas de saúde relacionados à atividade de indústrias de aço na cidade.

Uma das últimas obras, de Cristina T. Ribas, é um tecido translúcido suspenso por cordas. Nele, ela desenhou o curso das águas que mudaram a geografia de rios e lagos no Rio Grande do Sul após as enchentes do ano passado. Mais do que uma homenagem aos afetados, a obra parece o mapa de uma tragédia anunciada.

HISTÓRIAS DA ECOLOGIA

Quando Ter., das 10h às 20h; qua., qui., sáb. e dom., das 10h às 18h; sex., das 10h às 21h. Até 1º de fevereiro

Onde Masp – av. Paulista, 1578, São Paulo

Preço R$ 75, em masp.org.br/visite

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