BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) condenou nesta quinta-feira (11) Jair Bolsonaro (PL), 70, a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado, sob acusação de liderar uma trama para permanecer no poder. É a primeira vez na história do país que um ex-presidente é punido por esse crime.

Bolsonaro também foi considerado culpado pelos crimes de organização criminosa armada, abolição do Estado democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio público e deterioração do patrimônio tombado.

Os ministros decidiram que ele irá cumprir 24 anos e nove meses de reclusão e o restante de detenção. O regime inicial de cumprimento de pena deve ser fechado. A pena máxima dele poderia chegar a 43 anos de prisão.

Foram condenados pelos mesmos tipos penais, a penas de 2 a 26 anos, os outros sete réus do chamado núcleo crucial do caso, todos ex-ocupantes de altos cargos no governo do ex-presidente.

Foi aplicada ainda a inelegibilidade de oito anos a todos os condenados, a partir do término da pena. Bolsonaro já estava impedido de disputar eleições até 2030 em razão de condenações por abuso de poder na Justiça Eleitoral. Com a condenação desta quinta, ele fica inelegível até 2060.

O resultado de 4 votos a 1 pela punição consolida um dos mais importantes julgamentos da história do STF.

Bolsonaro está inelegível e em prisão domiciliar por ordem de Alexandre de Moraes, relator do caso e condutor da tese julgadora que acabou vencedora. Nome da corte à frente das diversas investigações relacionadas ao ex-presidente, ele é também o principal alvo de críticas do bolsonarismo.

O julgamento foi concluído na noite desta quinta em meio a troca de elogios entre os ministros, piadas e desagravo a Moraes. O relator, por exemplo, disse que iria ser breve para não fazer com o botafoguense Flávio Dino o que Luiz Fux fez com ele na véspera, ao ler o seu longuíssimo voto e impedi-lo de ver boa parte do jogo do seu time, o Corinthians.

Ao final, o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, compareceu à sala da turma para defender a condenação e dizer acreditar que o país esteja “encerrando os ciclos do atraso” na sua história.

A condenação do ex-presidente se dá em meio à pressão de aliados por uma anistia no Congresso e está inserida em um ambiente de polarização política com implicações na eleição presidencial do ano que vem.

Bolsonaro afirma ser vítima de perseguição política e sempre negou liderar uma trama golpista, afirmando apenas ter discutido, mas nunca implementado, ações “dentro das quatro linhas da Constituição”.

O ex-presidente foi condenado ainda ao pagamento de 124 dias-multa, que Moraes havia estabelecido em um salário mínimo por dia. O valor acabou subindo para dois salários mínimos por dia por sugestão de Flávio Dino após o ministro citar a “alta capacidade econômica” do réu. Moraes concordou e disse que o ex-presidente teria “confessado que recebeu R$ 40 milhões em Pix”. Se for considerado o valor do salário mínimo em 8 de janeiro de 2023, a multa equivale a cerca de R$ 320 mil.

Presidente do Brasil de 2019 a 2022, Bolsonaro é objeto da ofensiva que seu filho Eduardo faz, do exterior, com a intenção de obter sanções de Donald Trump ao país.

Antes de começar a propor as penas aos réus, Moraes disse que o Supremo dá precedente a magistrados brasileiros para “ter coragem de aplicar a lei para não se vergar a sanções nacionais ou estrangeiras”. O ministro foi sancionado pelo governo Donald Trump em meio ao processo contra Bolsonaro.

O ex-presidente só deve ser preso na condição de condenado (e eventualmente em regime fechado) após o fim do processo, quando a defesa não tiver mais recursos a apresentar ao Supremo. Diante do placar de 4 a 1, a possibilidade de recursos deve ser limitada, na própria Primeira Turma da corte, sem chegar ao plenário. Os prazos começarão a ser contados depois da publicação do acórdão do julgamento e a tendência é que a condenação possa transitar em julgado a partir do mês que vem.

No voto que apresentou na terça-feira (9), Moraes apontou Bolsonaro como líder da trama golpista colocada em marcha ainda durante seu governo, o que incluiu pressão sobre comandantes militares para a adoção de medidas de exceção que evitassem a posse de Lula (PT) e o mantivessem no poder -cenário que não se vislumbrava no país havia 60 anos.

“O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou Mores, sobre o papel do ex-presidente.

O contraponto no julgamento coube a Luiz Fux, que votou pela absolvição de Bolsonaro e minimizou a gravidade da maior parte das acusações, explorando lacunas das investigações e desconsiderando evidências. O ministro se referiu aos ataques golpistas de 8 de Janeiro como ação de “turbas desordenadas” e disse que “choro de perdedor” não é crime.

“Além de pretender criminalizar discursos críticos ao sistema eleitoral, também se pretende punir rascunhos rudimentares, que jamais pode se considerar nada além de mera cogitação”, afirmou ainda Fux.

Em um voto com cerca de 12 horas de duração, mais que o dobro do tempo usado por Moraes, o ministro rejeitou as acusações contra Bolsonaro e outros quatro réus. Ele votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid e do ex-ministro Walter Braga Netto por apenas um dos cinco crimes: tentativa de abolição do Estado democrático de Direito.

Acabou vencido em todos os casos. Os outros quatro ministros da turma condenaram, além de Bolsonaro, os demais sete réus do núcleo central por todos os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República.

São eles o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, o ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno, o ex-ajudante de ordens e Mauro Cid, delator da ação, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Casa Civil e da Defesa Walter Braga Netto e o ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, contra quem também foi decretada a perda de mandato de deputado federal.

Todos os réus sempre negaram participação em trama para ruptura institucional.

Braga Neto, com 26 anos, Anderson Torres e Almir Garnier, com 24 anos, foram os que receberam as maiores penas, após Bolsonaro. Heleno recebeu 21 anos de prisão. Paulo Sérgio, 19 anos. Ramagem, 16 anos e 1 mês, além da perda do mandato.

A decisão determina ainda a perda do cargo de delgado de PF em relação a Ramagem e Anderson Torres.

O delator Mauro Cid teve prisão fixada em 2 anos, em regime aberto.

Moraes afirmou ainda que o STM (Superior Tribunal Militar) deve ser oficiado para analisar a perda de patente em relação aos militares, entre eles Bolsonaro.

A defesa de Bolsonaro afirmou que as penas fixadas pelo tribunal “são absurdamente excessivas e desproporcionais” e que vai recorrer, “inclusive no âmbito internacional”. Em nota, os advogados do ex-presidente, Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno, dizem receber a decisão do STF “com respeito”, mas manifestam “profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária”.

A defesa de Bolsonaro deve tentar a manutenção da prisão domiciliar, alegando questão de saúde. Ele tem 70 anos e sofre sequelas do atentado a faca que sofreu na campanha de 2018. A definição da prisão caberá a Moraes. Os cenários cogitados são celas especiais no presídio da Papuda ou na Polícia Federal. Uma cela em quartel militar é a opção mais remota.

Nesta quinta, votaram Cármen Lúcia e Zanin.

Durante o voto de Cármen, Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin se uniram à ministra em uma reação contra Fux.

Moraes chegou a exibir um vídeo de falas de Bolsonaro direcionadas ao Supremo no 7 de Setembro de 2021 e chamou as declarações de “grave ameaça” ao STF. Na véspera, Fux havia afirmado que não era possível classificar manifestações desse tipo como ameaça.

O relator ainda fez uma intervenção em tom acalorado durante o voto de Cármen para reforçar o argumento de que uma série de ações, envolvendo Bolsonaro e os demais réus, desencadeou a tentativa de golpe de 8 de Janeiro, enquanto Fux havia dito no seu voto que não há provas da existência de uma organização criminosa.

“Não foi combustão espontânea, não foram baderneiros descoordenados que ao som do flautista fizeram filas e destruíram as sedes dos Três Poderes. Foi uma organização criminosa”, disse o relator do caso. Na discussão das penas, Moraes chegou a dizer que o fato de o comandante da Marinha não ter transmitido o cargo ao sucessor não era apenas “falta de educação”, mas claro sinal que ele dava à tropa de que ainda poderia haver golpe.

Cármen deu indiretas a Fux desde os primeiros momentos do voto. Ainda na avaliação das questões preliminares, sobre formalidades do processo, ela discordou do ministro e afirmou que a competência para julgar o caso é do STF. “E eu sempre votei do mesmo jeito”, afirmou, citando o processo do mensalão, do qual ambos participaram. Depois, ela recebeu o respaldo dos demais ministros da turma.

O ministro Gilmar Mendes, que não faz parte da Primeira Turma, esteve na sessão desta quinta-feira e se sentou na primeira fila do plenário, num gesto que foi descrito por ministros do grupo de Moraes como de apoio à maioria e uma manifestação de isolamento de Fux.

A ministra apontou que Bolsonaro agiu como líder de um grupo, formado por militares e outras autoridades de seu governo, com o objetivo de atentar contra as instituições democráticas.

Moraes abriu as sessões de votação na terça-feira (9) com um longo posicionamento em que atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama. “O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou.

Dino foi o segundo a votar. Ele acompanhou integralmente a posição de Moraes quanto à condenação de Bolsonaro e da maior parte dos réus, afirmando que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e Braga Netto ocupavam posições de comando na organização criminosa.

“Não é normal que a cada 20 anos nós tenhamos eventos de tentativa ou de ruptura do tecido constitucional. Então, creio que, para muito além do julgamento criminal que nos cabe, não há dúvida que as considerações que constam da denúncia, das defesas, do julgamento, devem se prestar a uma reflexão do conjunto das instituições de Estado para que elas se mantenham isentas e apartidárias”, afirmou Dino.

Na denúncia contra Bolsonaro, o procurador-geral Paulo Gonet disse que o ex-presidente foi o líder de uma organização criminosa que tinha como base um projeto autoritário de poder com “forte influência de setores militares”. A PGR ainda afirmou que os crimes começaram a ser cometidos em 29 de julho de 2021, quando Bolsonaro fez uma live nas redes sociais com ataques às urnas, e tiveram sequência com ações do ex-presidente para incitar as Forças Armadas e seus apoiadores a contestarem o resultado das eleições.