BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na leitura de seu voto nesta quinta-feira (11) no julgamento da trama golpista, o ministro Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, destacou a participação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como líder e principal beneficiário de organização criminosa que tinha como objetivo continuar no poder, “independentemente da vontade popular”.
Ele acompanhou a maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os demais réus. O voto de Zanin foi o quarto e último, após Cármen Lúcia, Flávio Dino, Luiz Fux e o relator Alexandre de Moraes.
O ministro fez um voto de tom predominantemente relatorial e técnico, diferentemente dos colegas, que recorreram também a análises contextuais políticas.
Leia abaixo algumas das principais frases do ministro.
*
**’DOCUMENT DUMP’**
O ministro rebateu argumento dos advogados de defesa de que houve disponibilização de grande quantidade de arquivos por parte da Polícia Federal sem fosse concedido tempo hábil para análise. Os advogados fizeram referência à prática como “document dump” ou “data dump” durante o julgamento.
“Eu me lembro, como advogado, de ter trabalhado com arquivos de 80, 100 terabytes, inclusive sem a disponibilização por link ou por qualquer outro meio, mas sim trabalhando dentro de sala-cofre da Polícia Federal, fazendo análise. Então, aqui, inclusive, foi, ao meu ver, facilitado o trabalho das defesas a partir do encaminhamento da íntegra do material na forma decidida pelo eminente relator”
**ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, GOLPE E BOLSONARO LÍDER**
Zanin votou pelo reconhecimento da existência de uma organização criminosa que tinha Jair Bolsonaro como líder.
“”Todos procuraram a ele [Bolsonaro] se reportar, além de ser ele o maior beneficiário da organização criminosa””
Em possível indireta a Fux, que votou pela condenação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e absolvição de Bolsonaro pelo crime de tentativa de abolição do Estado democrático de Direito, Zanin destacou que o líder era o ex-presidente.
“Como já disse o ministro Alexandre de Moraes, em todos os atos o que se via era a permanência no poder de Bolsonaro, e não de outra pessoa, como seu ajudante de ordens [Mauro Cid] ou qualquer outro membro da organização criminosa apresentada pela PGR”
“A responsabilização adequada e nos termos da lei dos agentes que buscam a ruptura institucional é elemento fundamental para a pacificação social e consolidação do Estado democrático Direito”
“Difícil e imprescindível de se configurar no sistema jurídico, golpe de Estado precisa ser previsto, como feito na legislação brasileira, e, em caso de comprovação, deve gerar a responsabilização de quem o praticou ou tentou praticar”
“A estabilidade da organização, e o próprio direcionamento das ações antes e depois das eleições de 2022, revela a continuidade do projeto em torno do escopo maior da organização, que era a manutenção de grupo específico no poder, independentemente da vontade popular”
**INSTABILIDADE**
Em seu voto, Zanin disse que a PGR conseguiu mostrar que o objetivo dos ataques às instituições era criar instabilidade política para justificar decretos de exceção e, após a eleição, tentar depor o governo eleito.
“A ação dos danos tinha como escopo demonstrar elevado grau de instabilidade política a ponto de justificar decretos de exceção”
“Descortinou-se um projeto permanente de esgarçamento das relações institucionais, acrescidas do intuito evidenciado desde as lives de 2021, de restrição do exercício livre da fiscalização contramajoritária do Poder Judiciário, com escopo de permanência no poder. As ações que se seguiram voltaram-se para esse constrangimento constante do Poder Judiciário, intensificando-se depois da eleição para o escopo de deposição do governo eleito”
**8 DE JANEIRO**
O ministro evidenciou, ainda, o papel de Bolsonaro no ataque às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“Houve um pronunciamento, um processo de formação e manipulação do sentimento popular, um induzimento coletivo à insurreição que não pode ser ignorado. Não há como afastar a evidente correlação entre a narrativa construída pelo grupo e reiterada constantemente pelo seu líder, Jair Messias Bolsonaro, e a aglutinação de manifestantes que, estimulados por integrantes do grupo, vieram a provocar, posteriormente, as ações do 8 de janeiro”
**APÓS A DERROTA EM 2022**
Segundo Zanin, a PGR demonstrou que o grupo liderado por Bolsonaro passou a elaborar estratégias mais radicais para permanecer no poder após a derrota para Lula (PT) na eleição de 2022.
“O grupo criou contornos ainda mais gravosos após a derrota nas urnas. Visando a permanência no poder, o grupo trabalhou com hipóteses de recurso a medidas excepcionais, seja para a promoção de autogolpe, seja pela ulterior deposição do governo legitimamente eleito”
“Houve, portanto, série de ações para a manutenção e estímulo reiterado da permanência de acampamentos de manifestantes à frente de quartéis do Exército Brasileiro em diversas capitais”