BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A nova regra da Receita Federal para reforçar ações contra o crime organizado obriga todas as instituições de pagamento a prestarem informações sobre transações, uma determinação seguida por grande parte das instituições financeiras há mais de 20 anos.

As fintechs maiores já entregavam a declaração ao fisco de forma voluntária, e também eram obrigadas pelos órgãos competentes a repassar outras informações, como transações de cartão de crédito, segundo um integrante da equipe econômica e especialistas ouvidos pela reportagem.

Portanto, na prática a nova medida deve afetar principalmente empresas menores. São em geral fintechs com atuação regional, ou especializadas em oferecer soluções para determinados segmentos do mercado, como agronegócio, varejo e vendas online.

O governo não divulga a lista de quem já prestava informações sob justificativa de sigilo fiscal.

As empresas que ainda não repassavam esses dados terão que dedicar equipes e desenvolver protocolos específicos para se adaptarem à nova obrigação -informar à Receita saldo e transferências de qualquer conta de pagamento, rendimentos de aplicações financeiras, benefícios de previdência e aquisições de moeda estrangeira, entre outras movimentações.

Esse encargo se soma a obrigações já existentes para a maioria das fintechs, como informar movimentações suspeitas ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), conforme políticas de identificação validadas pelo Banco Central.

Algumas fintechs também tinham que repassar à Receita Federal e às secretarias estaduais de Fazenda informações sobre pagamentos feitos com cartão de crédito, débito e boletos, além do volume de compras processadas via comércio eletrônico.

Já instituições de pagamento não reguladas, que operam um volume menor de recursos sem necessidade de autorização do BC, não têm a obrigação de reportar atividades suspeitas, embora possam fazê-lo de forma voluntária.

O reporte das instituições financeiras à Receita Federal foi instituído no ano de 2001, por meio de uma lei complementar que dispõe sobre o sigilo bancário. Sua operação começou de fato em 2003, por meio da Decred (Declaração de Operações com Cartões de Crédito), e foi sendo ampliada para incorporar inovações.

Em 2008, a Receita passou a receber informações de movimentações em contas bancárias e aplicações pela Dimof (Declaração de Informações sobre Movimentação Financeira). Em 2015, o órgão criou a chamada e-Financeira, adaptando as declarações já existentes a acordos internacionais.

As normas da Receita Federal diziam que a responsabilidade pela prestação das informações cabia às instituições financeiras.

No entanto, o SPB (Sistema de Pagamentos Brasileiro), gerido pelo Banco Central, tem entre seus integrantes as chamadas instituições de pagamento, que são consideradas instituições não financeiras e não eram obrigadas a fornecer a e-financeira.

Agora, a norma da Receita equipara os dois grupos quando se trata do reporte desses dados.

As instituições de pagamento operam na intermediação de pagamentos, independentemente de relacionamento com bancos tradicionais ou outras instituições financeiras –por exemplo, emissoras de cartões pré-pagos, de vale-refeição ou adquirentes de cartão (que fornecem as maquininhas para pagamento).

“A norma atende a uma visão mais ampla do governo de entender esse tipo de instituição com a mesma relevância, sujeita ao mesmo escrutínio e recebendo o mesmo tratamento tributário dos bancos”, diz Tomas Machado, sócio do escritório Mattos Filho, citando outra medida recente que elevou a alíquota de CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) das fintechs ao mesmo patamar cobrado das instituições financeiras tradicionais.

O aumento da alíquota, definido por uma medida provisória do governo Lula (PT), ainda precisa ser votado no Congresso. Representantes das fintechs entendem que, por terem a prerrogativa de movimentar dinheiro dos correntistas e oferecer crédito com valor depositado, os bancos oferecem maior risco ao sistema financeiro -o que justificaria uma alíquota maior da CSLL.

A nova instrução normativa da Receita foi publicada em 29 de agosto, após a megaoperação do fisco em conjunto com o Ministério Público de São Paulo e as polícias estaduais e federal contra empresas usadas pelo PCC (Primeiro Comando da Capital) para movimentar dinheiro de origem ilícita.

A edição da medida gerou dúvida entre advogados e associações consultados pela reportagem, pois foi publicada na data-limite de entrega da e-Financeira, a ficha enviada semestralmente com os dados solicitados pelo órgão.

No entanto, a inviabilidade operacional de cumprir o prazo no mesmo dia levou ao entendimento de que a primeira declaração deverá ser submetida no fim do ano.

Também houve incerteza sobre sua aplicação às instituições de pagamento que operam um volume menor de recursos e, por isso, podem atuar sem aval do BC. Pela redação ampla da norma, a interpretação tem sido a de que essas entidades também estão obrigadas a prestar as informações.

Embora tenha efeito imediato, a Instrução Normativa prevê a edição de atos complementares, que podem, segundo especialistas, regulamentar o formato em que as informações serão repassadas e trazer orientações sobre o envio da e-financeira.

O secretário da Receita Federal Robson Barreirinhas afirmou, em audiência no Senado, que as informações enviadas deverão cobrir o ano de 2025 inteiro, a partir de janeiro.

Victor Solla Jorge, sócio da Jorge Advogados, chama a atenção para o fato de que algumas instituições de pagamento chamadas secundárias, aquelas sem acesso direto ao sistema brasileiro de pagamentos, utilizavam contas-bolsão registradas em outras instituições para movimentar dinheiro dos clientes.

Trata-se de contas de pagamento que misturam o dinheiro de várias pessoas e não permitem à instituição que cede a infraestrutura para movimentações rastrear a origem e o destino do dinheiro.

As fintechs secundárias têm o controle gerencial das movimentações, ou seja, sabem quem está movimentando o dinheiro, mas podem fazer vista grossa e deixar de reportar transações suspeitas.

“Algumas instituições de pagamento permitem que o usuário cadastre a chave Pix vinculada ao e-mail, sem que haja um CPF vinculado a ele”, afirma o advogado. “Isso é uma bandeira vermelha no que diz respeito à prevenção da lavagem de dinheiro.”

Ao receber a e-Financeira, a Receita vai obter os dados bancários vinculados à identificação do clientes finais dessas empresas, mesmo que elas tenham regras frouxas de governança e prevenção à lavagem de dinheiro.

“A instrução normativa cumpre o objetivo do governo, que é combater o crime organizado”, afirma Diego Perez, presidente da Abfintechs, uma das associações do setor. “Existe um discurso de que as fintechs são frágeis, [e com essa medida] a gente elimina uma das assimetrias, enfraquecendo esse discurso.”

Perez diz que a medida é um pleito antigo do setor e não deve criar grandes custos adicionais, porque o sistema da Receita já existe, e os repasses de informação são semestrais. “Talvez a dificuldade vá ficar com instituições menores, mas é o custo de fazer negócio em um ambiente regulado”, afirma.

A NOVA REGRA DA RECEITA PARA FINTECHS

**Quem foi afetado?**

Instituições de pagamento e participantes de arranjos de pagamentos, ou seja, empresas que viabilizam serviços de compra e venda e de movimentação de recursos, segundo definição do Banco Central, mas não podem conceder empréstimos ou realizar financiamentos com recursos próprios. Empresas de maquininha (Cielo, Stone, PagSeguro) e bancos digitais (PicPay, Inter e Nubank) são exemplos.

**Quais são as obrigações a partir de agora?**

Agora essas empresas terão que informar, a cada seis meses, uma série de informações sobre as movimentações bancárias, como saldo mensal, empréstimos, resgates de aplicações financeiras e transferências para o exterior.