BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rebateu, em um documento enviado ao USTR (Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos), reclamações feitas pelo setor privado americano no âmbito da investigação comercial aberta contra o país.

Na quarta-feira (10), o Ministério das Relações Exteriores protocolou comentários em resposta às manifestações feitas por empresas e associações americanas durante a audiência pública realizada pelo USTR em 3 de setembro. Na ocasião, o Brasil foi acusado de práticas injustas que estariam prejudicando a atuação de empresas dos EUA no país.

“O Brasil considera que as preocupações levantadas nos comentários de partes interessadas e nos depoimentos durante a audiência são mais adequadamente resolvidas por meio de diálogo e cooperação contínuos, em vez de medidas unilaterais que arriscam minar interesses econômicos compartilhados e o sistema multilateral de comércio”, afirmou o ministro Mauro Vieira (Relações Exteriores), nas conclusões do documento.

“O Brasil continua comprometido com um engajamento construtivo com os Estados Unidos e com a resolução de questões comerciais por meios mutuamente benéficos.”

A investigação comercial contra o Brasil foi aberta com base na chamada seção 301. Vinculada a uma legislação americana de 1974, essa norma autoriza o governo dos EUA a retaliar, com medidas tarifárias e não tarifárias, qualquer nação estrangeira que adote práticas consideradas injustificadas e prejudiciais ao comércio americano. China e União Europeia já foram alvo.

De acordo com pessoas que acompanham a investigação, etanol e economia digital foram os dois principais temas abordados por entidades americanas durante a audiência pública no início do mês.

Em sua manifestação, o governo Lula afirma que entidades como o Conselho da Indústria de Tecnologia da Informação (ITI, na sigla em inglês) e a Associação de Tecnologia de Consumo (CTA) apresentaram queixas relacionadas ao julgamento, no STF (Supremo Tribunal Federal), do artigo 19 do Marco Civil da Internet -dispositivo que estabelecia que redes sociais só poderiam ser responsabilizadas por conteúdos postados por usuários caso descumprissem ordem judicial de remoção.

“Antes da publicação da decisão final [pelo STF], os contornos adequados dessa responsabilidade são, na melhor das hipóteses, especulativos, e os resultados da votação, de qualquer forma, parecem recomendar que o Congresso aprove uma legislação para regular a questão”, diz o governo na manifestação.

“Assim, o Brasil considera que uma ação com base na seção 301 seria prematura, contraproducente e injustificada nessas circunstâncias, e que esta investigação, sob a seção 301, não é o fórum apropriado para tratar dessas preocupações.”

O governo Lula utilizou argumentos semelhantes para rebater reclamações sobre propostas de regulamentação das redes digitais atualmente em discussão no Congresso. Para o governo Lula, essas normas só poderiam ser objeto de análise quando -e se- forem convertidas em lei.

Sobre etanol, o governo brasileiro afirma que negociações bilaterais são a melhor forma de impulsionar o comércio do produto entre os dois países e defende a discussão de “concessões de acesso ao mercado mutuamente benéficas”.

“[…] as negociações em andamento, sob os auspícios da Declaração Conjunta sobre Etanol de 2020, são o fórum apropriado para discutir concessões de acesso ao mercado mutuamente benéficas”, diz o texto.

“O Brasil insta o USTR a retomar as negociações sobre o acesso ao mercado de etanol e considera que o USTR não deve antecipar os resultados dessas negociações por meio da imposição de medidas ao abrigo da Seção 301, em circunstâncias nas quais as partes podem chegar a uma solução para o suposto ônus ou restrição ao comércio dos EUA.”

Ao mencionar a declaração conjunta de 2020, o Brasil busca reforçar sua posição de que eventuais negociações sobre a abertura do mercado para o etanol americano deveriam ocorrer em paralelo a conversas sobre as barreiras que o açúcar brasileiro enfrenta nos EUA.

O etanol é uma das disputas comerciais mais antigas entre Brasil e Estados Unidos. Os americanos se queixam principalmente da tarifa aplicada pelo Brasil, de 18%, bem superior à praticada pelos EUA antes do “tarifaço” de Donald Trump, de 2,5%.

Com o tarifaço, o produto brasileiro passou a ser taxado em 50%.

O Brasil tenta vincular uma eventual negociação para reduzir suas tarifas sobre o etanol a uma liberalização do setor açucareiro por parte dos EUA -algo que os americanos nunca aceitaram.

A manifestação protocolada no USTR volta a rebater acusações levantadas pelo próprio escritório comercial e por representantes do setor privado dos EUA de que o Brasil imporia barreiras à entrada de álcool combustível americano.

“O Brasil e os Estados Unidos são os maiores produtores de etanol do mundo. A produção brasileira não prejudicou a indústria de etanol dos EUA, que em 2024 registrou exportações recordes, mantendo os Estados Unidos como exportador líquido de etanol por 15 anos consecutivos”, afirma o governo Lula.

“Os setores de etanol de milho dos Estados Unidos e do Brasil estão intrinsecamente ligados, já que a indústria brasileira de etanol é uma grande importadora de equipamentos de produção, tecnologia e insumos dos EUA, como enzimas. Além disso, a maioria das usinas brasileiras de etanol de milho utiliza tecnologias desenvolvidas por empresas sediadas nos Estados Unidos.”

Outro argumento apresentado é o de que o setor de etanol de milho no Brasil gerou mais de US$ 1 bilhão em valor para os EUA, por meio da compra de tecnologia, equipamentos e serviços de empresas americanas.