SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Especialistas de mercado dizem que o poder público pode aprender lições com a concessão do túnel Santos-Guarujá. A ideia é que os próximos leilões de grandes obras despertem maior concorrência e menor uso de recurso estatal.

A avaliação do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), é que o desconto da oferta vencedora foi baixo.

Na última sexta-feira (5), a portuguesa Mota-Engil ganhou o direito de assumir a obra com orçamento de R$ 6,8 bilhões, sendo R$ 5,14 bilhões divididos entre os governo federal e de São Paulo.

Ganharia a disputa quem oferecesse receber o menor valor de contraprestação anual, a ser repassado pelo governo de São Paulo. No edital, seriam R$ 438,30 milhões. A empresa, que tem participação da gigante chinesa de infraestrutura CCCC, propôs desconto de 0,5% (R$ 2,2 milhões).

A Mota-Engil venceu porque a outra concorrente a apresentar lance, a espanhola Acciona, propôs 0%.

Presente na B3, onde aconteceu o leilão, Alckmin considerou que, apesar de o desconto ter sido pequeno, trata-se de uma questão de mercado. Após a definição, ele não foi a única autoridade presente a se surpreender com o baixo deságio.

“É um caso que deve ser tomado como referência para que o mesmo não aconteça nos próximos leilões de projetos complexos. O esperado é que o Estado tome providências para atrair mais ‘players’ e potencializar a competição, por exemplo, com a ampliação da divulgação no cenário internacional”, diz Gustavo Justino de Oliveira, professor de direito administrativo da USP (Universidade de São Paulo) e no IDP.

“Podem ser feitas calibragem da matriz de riscos e aperfeiçoamento das garantias e dos mecanismos de financiabilidade”, afirma

A Mota-Engil deve assinar o contrato até o final do ano, após análise das garantias. A expectativa é que a obra comece em 2026. Embora o prazo final seja 2031, o governo de São Paulo estima que o término da construção aconteça em 2030.

“Os descontos ofertados, assim como o número de participantes do leilão, revelam que, apesar dos esforços do governo de reduzir riscos críticos do projeto, a sua numerologia e a taxa de retorno proposta estavam bem apertadas para um projeto complexo e desafiador como esse”, diz o advogado Fernando Vernalha, especialista em infraestrutura.

Uma semana antes da concessão, em 29 de agosto, o ministro Bruno Dantas, do TCU (Tribunal de Contas da União), reuniu representantes do Ministério dos Portos e Aeroportos, do governo de São Paulo e o presidente da APS (Autoridade Portuária de Santos), Anderson Pomini, para acertar arestas quanto à fiscalização e ao acompanhamento da obra.

Quando isso aconteceu, empreiteiras brasileiras como a Odebrecht e a Andrade Gutierrez ainda tentavam colocar de pé a engenharia financeira para apresentar uma oferta. Não conseguiram pela ausência de financiamento e por considerarem excessivas as exigências de garantias.

Isso comprometeu a concorrência e pode também ter reduzido a disputa financeira entre as envolvidas.

“Trata-se de um projeto de capital intensivo, que requer alavancagens financeiras constantes. O desenvolvimento dos grandes projetos de infraestrutura no Brasil exige o fortalecimento de seus participantes, com todo o apoio do governo, pois é uma das principais alavancas para o desenvolvimento econômico e social, com um efeito multiplicador impressionante”, afirma Massami Uyeda Junior, especialista no desenvolvimento de projetos de infraestrutura.

Consultado sobre as observações dos especialistas, o governo paulista não quis comentar.

Há o consenso de que as ofertas foram conservadoras, o que nem todos enxergam como um problema. Seria um sinal de que o orçamento não será contestado depois pela vencedora e nem acontecerá pedido de revisão do contrato, em tese.

“Não houve um otimismo exagerado do proponente vencedor, o que, na prática, tende a ser muito salutar por sinalizar que tanto na perspectiva de quem estruturou o projeto como do agente do mercado, há condições econômicas e financeiras para executar o objeto de licitação. Do ponto de vista do poder público, um desconto menor significa que terá de comprometer os recursos previstos no edital e que já estavam reservados a tal propósito”, define Henrique Silveira, sócio da área de Infraestrutura e Energia do escritório Mattos Filho.

“O histórico das grandes concessões que tiveram grande concorrência e altos deságios é dos que, mais tarde, demandaram significativos reequilíbrios econômico-financeiros dos contratos ou incapacidade da concessionária de cumprir a concessão satisfatoriamente em razão de receita menor do que a esperada”, lembra Diogo Nebias, advogado especialista em contratos de infraestrutura.