SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As terras indígenas (TIs) são essenciais para a preservação da biodiversidade, especialmente em regiões tropicais, mas suas contribuições para a saúde humana ainda são pouco compreendidas. Para preencher essa lacuna, pesquisadores dos países da bacia amazônica elaboram um estudo inédito focado nos benefícios relacionados aos territórios ocupados pelos povos originários.
Essa pesquisa, financiada pela Fundação Ford, reuniu pesquisadores de oito países da bacia amazônica, com protagonismo do Brasil, que detém a maior parcela da floresta (cerca de 60% do total). O estudo conta também com informações de Colômbia, Bolívia, Peru, Guiana Francesa, Venezuela, Suriname e Equador faltou apenas a colaboração da Guiana.
O trabalho foi publicado nesta quinta-feira (11) na revista científica Communications Earth & Environment, do grupo Nature.
“O foco, inicialmente, era apenas na amazônia brasileira e nas doenças relacionadas a incêndios. E então estendemos para uma segunda fase para compreender se os efeitos se mantinham quando olhávamos para o bioma inteiro e outros aspectos da saúde humana”, disse à Folha Paula Priest, bióloga e pesquisadora da Organização Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês).
Conforme o estudo, os incêndios em regiões tropicais e subtropicais são responsáveis por 90% das emissões globais de MP2,5 (material particulado com diâmetro menor que 2,5 micrômetros), degradando a qualidade do ar e afetando a saúde respiratória da população.
Os pesquisadores chegaram a um total de 28.429.422 casos de 21 doenças associadas a incêndios florestais, zoonóticas e transmitidas por vetores, com uma taxa de incidência de 556,96 por 100 mil pessoas, relatados nos países da bacia amazônica de 2001 a 2019.
As doenças relacionadas a incêndios florestais representaram 80,3% (22.821.426 casos), sendo as respiratórias as mais predominantes (79,4%), enquanto as cardiovasculares foram 0,87%.
Já as zoonóticas/transmitidas por vetores compreenderam 19,7% (5.607.996 casos), com a malária representando 92,62% destes. Venezuela, Suriname e Peru exibiram as maiores incidências. Outras como leishmaniose cutânea (5,57%), doença de Chagas (1,60%) e leishmaniose visceral (0,12%) foram menos comuns.
“Isso traz uma evidência muito grande do papel dos territórios indígenas, assim como outras áreas florestais. O manejo sustentável dos povos tradicionais consegue fornecer esse serviço que beneficia a saúde de populações que não estão necessariamente perto desses territórios”, diz Priest.
De 2001 a 2019, a amazônia perdeu para as queimadas 532.571 km², com média anual de 28.030 km², segundo o estudo. O Brasil teve a maior área total queimada (372.281 km²), seguido pela Bolívia (121.189 km²) e pela Colômbia (21.956 km²).
Proporcionalmente, a Bolívia teve a maior extensão de queimadas, com quase 16% de sua área amazônica afetada, seguido pelo Brasil (8,6%) e Colômbia (4%). A área queimada acumulada, incluindo incêndios repetidos, alcançou 923.784 km², com quase 30% da amazônia boliviana e 15% da brasileira.
O maior número de incêndios ocorreu em 2010 e, em média, as áreas queimaram 18 vezes, indicando fogo recorrente. A maioria dos incêndios (88,7%) ocorreu fora das TIs, sendo 11,3% dentro, 7,5% em áreas reconhecidas e 3,7% em territórios não reconhecidos.
“Nós tínhamos interesse em entender os efeitos das terras indígenas porque são áreas que muitas vezes não são tão priorizadas quando se fala em conservação, no olhar de pessoas que não são técnicas”, continuou Priest.
“Eu já tinha visto estudos mostrando que essas áreas sob proteção indígena conseguem estocar uma quantidade alta de carbono, importante para a mitigação climática, e conservar mais biodiversidade do que outras terras protegidas. Então nos perguntamos se para saúde humana seria o mesmo.”
MORTES POR CALOR
Um outro estudo recente, este publicado na Nature Climate Change, avaliou o impacto do desmatamento de florestas tropicais na saúde humana, envolvendo as Américas, a África e a Ásia.
Os resultados indicam ligação direta entre a perda de floresta, o aumento da temperatura local e a elevação da mortalidade, com cerca de 28 mil mortes anuais a maioria delas poderia ser evitada, aponta o levantamento.
De 2001 a 2020, cerca de 345 milhões de pessoas foram expostas ao aquecimento local, com um aumento médio de 0,27 °C na temperatura da superfície, de acordo o estudo liderado pela Universidade de Leeds (Inglaterra), em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e a Universidade Kwame Nkrumah (Gana).
As consequências são mais severas no Sudeste Asiático, com 8 a 11 mortes por 100 mil habitantes expostos.