BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério dos Transportes avalia a possibilidade de relicitar a Estrada de Ferro Carajás (EFC), ferrovia de 997 km de extensão controlada pela mineradora Vale. Ela é usada para transportar o ferro retirado das jazidas de minério de Parauapebas, no Pará, até o porto de São Luís, no Maranhão.

Conforme informações obtidas pela Folha de S.Paulo, o ministério já fez um pedido formal para que a AGU (Advocacia-Geral da União) analise os caminhos jurídicos para viabilizar a retomada do trecho. A pasta também acionou a estatal Infra S.A. por estudos voltados à possível relicitação da ferrovia.

As movimentações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ocorrem após o fracasso nas negociações bilionárias de repactuação de ferrovias concedidas à Vale, situação que deflagrou uma crise entre a cúpula do governo e a maior mineradora do país e que mexe diretamente com o futuro do transporte ferroviário nacional.

A mineradora vinha negociando com o governo a renovação dos contratos da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) e da Estrada de Ferro Carajás. Em dezembro de 2024, ambos firmaram um protocolo de repactuação. O governo pediu para corrigir distorções da prorrogação que já tinha sido feita em 2020, a qual considerou excessivamente favorável à concessionária.

Na nova proposta, a Vale concordou em fazer um aporte adicional de R$ 11 bilhões, dos quais R$ 4 bilhões foram pagos de imediato como “ajuste regulatório preliminar”. Outros R$ 7 bilhões seriam repassados conforme acordo consolidado com mediação do TCU (Tribunal de Contas da União).

O pacote incluía ainda R$ 6 bilhões, que o governo pretendia utilizar na construção de uma nova ferrovia entre o Rio de Janeiro e Espírito Santo, chegando a um total de R$ 17 bilhões.

O clima azedou no mês passado, quando a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) refez os cálculos sobre os ativos ferroviários não amortizados nas concessões –uma decisão que foi usada para definir a indenização devida à concessionária– e encontrou uma diferença bilionária nas contas.

De uma estimativa inicial de cerca de R$ 19 bilhões de indenização à empresa por bens não amortizados, a conta caiu para aproximadamente R$ 8,5 bilhões, quando trazida a valor presente.

Para o governo, essa revisão significava que havia espaço para exigir mais compensações da Vale. Para a empresa, porém, tratou-se de uma mudança radical, que extrapolou o que havia sido pactuado em 2024. Não houve acordo.

Em 28 de agosto, a Vale foi ao mercado e declarou que não houve consenso com a União e a ANTT para repactuar as concessões, mas que permanecem em vigor os contratos prorrogados em 2020, que garantiriam à empresa a operação até 2057.

Na avaliação do Ministério dos Transportes, a manutenção da EFVM com a Vale não tende a ser questionada, uma vez que este contrato está associado à construção de um trecho novo de ferrovia pela empresa —o primeiro trecho da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico), entre Mara Rosa (GO) a Água Boa (MT), com 383 km de extensão.

A situação muda em relação à Estrada de Ferro Carajás. O governo pretendia usar os bilhões ligados à revisão deste acordo para viabilizar a conclusão de trechos da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol), na Bahia, que tem sido executada com dinheiro público, além do Porto Sul, em Ilhéus.

A ideia era que a mineradora assumisse o projeto de 537 km em construção entre Caetité e Ilhéus, além do porto, que hoje estão nas mãos da Bamin (Bahia Mineração), mineradora do grupo Eurasian Resources, que quebrou e ficou sem condições de tocar o projeto.

A Vale, no entanto, sempre apresentou certa resistência ao plano, por entender que a mina de ferro localizada na região central da Bahia não justificaria todo o investimento logístico.

Procurado, o Ministério dos Transportes não se manifestou. A Vale, por sua vez, declarou que mantinha o teor do comunicado que fez ao mercado em 28 de agosto, no qual afirmou que os contratos que “foram prorrogados antecipadamente até 2057 por termos aditivos estabelecidos em 16 de dezembro de 2020, permanecem vigentes”.

A Vale disse também que “permanece comprometida com as bases gerais para a repactuação estabelecidas no acordo celebrado em 30 de dezembro de 2024” e que “adotará as medidas necessárias para assegurar seus direitos e responsabilidades”.