SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O festival Artes Vertentes, que inicia sua 14ª edição nesta quinta, dia 11, é um evento peculiar. Não se trata apenas de uma celebração da música e da literatura. Também não cabe no rótulo de festival de cinema ou de teatro. Tampouco pode ser classificado como uma mostra de artes visuais.

Sediado na pequena Tiradentes, em Minas Gerais, o Artes Vertentes abrange todas essas linguagens. É um dos poucos festivais brasileiros com múltiplos eixos culturais, dispostos em diálogo permanente ao longo de uma semana e meia.

Uma das principais atrações do evento comprova esse trânsito entre as artes. Um dos oito espaços do festival, a casa-museu Padre Toledo recebe no sábado, dia 13, a primeira apresentação no Brasil de “Ópera Poeira”.

O espetáculo tem dramaturgia do haitiano Jean d’Amérique, que se une a artistas brasileiros, como a cantora e atriz Juçara Marçal, o violonista Kiko Dinucci, o diretor Jé Oliveira, o videoartista Eder Santos, entre outros.

A presença de Jean d’Amérique, hoje radicado na França, está em sintonia com a proposta curatorial “Entre as Margens do Atlântico”. As reflexões em torno da diáspora africana guiam boa parte da programação.

Além de dramaturgo, D’Amérique é romancista e poeta. Seu primeiro romance, “Costurar o Sol”, vencedor do prêmio Montluc Resistência e Liberdade, está entre as cinco obras do autor que serão lançadas em Tiradentes.

“Um dos encontros mais esperados é o da poeta Luiza Romão, que transita pela cena do slam no Brasil, com o Jean d’Amérique, que chegou à literatura por meio do rap do Haiti nos anos 2000”, diz Luiz Gustavo Carvalho, curador do festival.

A romancista franco-camaronesa Léonora Miano, a contista e cronista brasileira Cidinha da Silva e o poeta congolês Gabriel Okoundji estão entre os nomes que discutirão temas como a resistência africana.

Essa aproximação dos dois lados do Atlântico também vai permear as apresentações de Fabiana Cozza e Tiganá Santana, que devem combinar música e literatura.

Entre os filmes, um dos destaques é “A Negra de…”, do senegalês Ousmane Sembène, um dos pais do cinema africano.

Uma exposição e alguns debates e apresentações musicais têm como mote o congado, expressão cultural e religiosa afro-brasileira. “Mestre Prego, capitão do congado aqui de Tiradentes, fala muito sobre a invisibilização [desse tipo de festa]. No século 19, essa região era composta majoritariamente por uma população preta de escravizados ou ex-escravizados. Onde estão os ecos dessa história?”, diz o curador.

O festival também integra a temporada cultural França-Brasil 2025, que celebra os 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países. É um dos raros eventos fora das capitais a compor essa programação.

Haverá em Tiradentes uma curiosa homenagem ao francês Darius Milhaud. No final dos anos 1910, o compositor trabalhou na embaixada da França no Rio de Janeiro, onde ouviu muitos samba e maxixes. Como resultado dessa vivência, compôs diversas melodias, caso de “O Boi no Telhado”.

A curadoria do Artes Vertentes sugeriu ao compositor e pianista André Mehmari que preparasse uma resposta à obra de Milhaud mais de cem anos depois. Assim, nasceu “O Boi Voador”, que será apresentada pela primeira vez.

“Mehmari fez o caminho inverso. Pegou diversos trechos de músicas francesas, dos balés do Stravinsky ao ‘Bolero’, de Ravel, e levou tudo isso para o seu próprio universo de composições”, conta Carvalho.

Para o curador, “Mehmari é um artista que representa bem o desejo do festival de desconstruir fronteiras entre o que é erudito e o que é popular”.

FESTIVAL ARTES VERTENTES

– Quando De 11 a 21 de setembro

– Onde Espaços de Tiradentes (MG)

– Preço Grátis; parte dos eventos por R$ 40, ingressos disponíveis em artesvertentes.com