SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto a COP30, conferência do clima marcada para novembro em Belém, concentra os holofotes na amazônia, comunidades tradicionais do cerrado tentam assegurar espaço para as demandas do bioma na cúpula das Nações Unidas.

Até este sábado (13), indígenas, quilombolas, agricultores familiares e ambientalistas se reúnem no 11º Encontro dos Povos, em Brasília, para discutir questões como desmatamento, preservação das águas e conflitos agrários, além da mudança climática na região. Os resultados dos debates devem ser levados para o evento da ONU.

“É um desafio enorme falar do cerrado na COP da amazônia. Há uma sensibilização pela floresta. e o cerrado não tem nem metade da atenção”, diz a coordenadora do Programa Cerrado da organização ISPN, Isabel Figueiredo, que participa do encontro.

Ela avalia que demonstrar a importância do cerrado para a manutenção das águas do país e da própria amazônia é o primeiro passo para a discussão sobre o bioma, que é celebrado no dia 11 de setembro, chegar à COP30.

O cerrado é o segundo maior bioma do Brasil, ocupando cerca de um quarto do território, e a savana mais biodiversa do mundo. É conhecido como “caixa-d’água” do país, uma vez que abastece 8 das 12 regiões hidrográficas do território nacional. Mais da metade da sua vegetação original, porém, já foi desmatada.

“Não dá para tratar o cerrado como segunda opção. Sem o cerrado, não há amazônia”, diz Hiparidi Top’tiro, vice-coordenador da Rede Cerrado e integrante do Movimento das Organizações e Povos Indígenas do Cerrado (Mopic).

Um dos organizadores do encontro, que tem como tema “Cerrado, berço das águas, coração do Brasil”, Hiparidi afirma que a maior preocupação da rede é com os rios, que estão visivelmente secando.

O volume de água transportado pelos rios do cerrado diminuiu 27% desde a década de 1970, segundo o relatório “Cerrado: O Elo Sagrado das Águas do Brasil”, da Ambiental Media.

A outra questão, diz, é a falta de segurança para que as comunidades tradicionais conservem a vegetação nativa e seu modo de vida, uma vez que nem todos os territórios indígenas e quilombolas são formalmente demarcados. “O agronegócio é um grande inimigo da gente neste momento”, afirma.

A falta de cumprimento da legislação para controlar o desmatamento nas áreas do cerrado também é pautada pelas organizações.

“Quando a gente conseguiu reduzir o desmatamento da amazônia, ele vazou para o cerrado. Então, hoje o cerrado é o bioma mais desmatado”, diz Figueiredo.

O cerrado foi o bioma com a maior área desmatada nos últimos dois anos, segundo o RAD (Relatório Anual do Desmatamento), da rede MapBiomas. Em 2024, foram 652.197 hectares de vegetação suprimidos -mais da metade (52,5%) do total perdido no país.

Segundo Figueiredo, o ISPN tem feito estudos sobre irregularidades nas autorizações de supressão de vegetação nos estados do bioma.

“Estão sendo dadas sem nenhuma observação de critérios, em cima de reserva legal e áreas de preservação permanente. A gente precisa endereçar junto aos estados como melhorar as normativas”, diz a pesquisadora.

O instituto também pretende levar para a COP30 um debate sobre a implementação de leis internacionais que combatem o desmatamento associado às cadeias de commodities e à violação de direitos humanos, como a regulamentação europeia conhecida como a EUDR (European Union Deforestation Regulation).

A EUDR busca rastrear e barrar a entrada de produtos ligados ao desmatamento -como café, cacau, soja e gado- nas exportações para a Europa. No entanto, considera apenas ecossistemas florestais, deixando de fora biomas como o cerrado.

“Por que tanta disparidade de atenção, sendo que todos os ecossistemas são conectados e um depende do outro?”, diz Figueiredo, que estuda como incluir o bioma na legislação e levará ainda para a COP30 discussões sobre a diferença de financiamento climático entre biomas florestais e savânicos.

Além de debater o desmatamento e a ameaça hídrica, organizações querem inserir na COP30 o debate sobre o que chamam de ecogenocídio no cerrado. O conceito foi sistematizado no Tribunal Permanente dos Povos do Cerrado, em 2022, que reuniu 15 casos envolvendo violações ligadas à água, à soberania alimentar e à posse dos territórios.

Durante o encontro dos povos, a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado lançará um dossiê sobre conflitos fundiários, perda da biodiversidade e avanço da mineração, incluindo projetos de exploração de terras raras.

Segundo Isolete Wichinieski, coordenadora da campanha e da articulação da Comissão Pastoral da Terra no bioma, as mudanças climáticas já alteram o cotidiano das comunidades tradicionais, afetando ciclos de chuva, períodos de plantio e a disponibilidade de espécies nativas usadas na alimentação.

Para a COP30, Wichinieski quer debater a preservação e manutenção dos modos de vida dessas comunidades que, segundo ela, são os guardiões do bioma.

O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.