BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), votou nesta quarta-feira (10) para absolver Jair Bolsonaro (PL) de todos os crimes de que foi acusado na trama golpista. Além de ter sido o primeiro voto divergente no julgamento até agora, Fux travou um embate com os métodos de Alexandre de Moraes à frente do processo.

Com a discordância, o resultado parcial do julgamento está em 2 votos a 1 pela condenação de Bolsonaro. Faltam os votos dos ministros Cristiano Zanin e Cármen Lúcia. Caso um deles vote contra o ex-presidente, estará formada maioria pela condenação.

Ele também votou para absolver o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira.

O voto de Fux surpreendeu as defesas dos réus, que identificaram argumentos para questionar a ação no futuro e, eventualmente, anular uma provável condenação. Além disso, o posicionamento do ministro irritou a ala do tribunal próxima de Moraes, que enxerga um alinhamento com o bolsonarismo no julgamento.

Fux afirmou que não ficou demonstrado que o ex-presidente tenha praticado atos executórios, que se diferenciariam da preparação, de declarações ou de discussões em relação a uma ruptura. Ele minimizou a minuta golpista, apontou que Bolsonaro não poderia ser acusado de golpe quando estava no mandato e afastou sua responsabilidade pelos ataques de 8 de janeiro.

“Não se pode admitir que possa configurar tentativa de abolição do Estado democrático de Direito dar discursos ou entrevistas ainda que contenham questionamentos sobre a regularidade do sistema eletrônico de votação ou rudes acusações aos membros de outros Poderes. A simples defesa da mudança do sistema de votação não pode ser considerada narrativa subversiva”, declarou.

Em um voto de mais de nove horas de duração, quase o dobro do tempo usado por Moraes, Fux afirmou que a conduta de Bolsonaro não seria suficiente para configurar a tentativa de derrubada das instituições democráticas. Nas ações da trama golpista contra os acusados de envolvimento nos ataques de 8 de janeiro de 2023, no entanto, o ministro votou pela condenação de centenas de réus por tentativa de golpe e outros crimes.

Fux votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid, delator do caso, por abolição violenta do Estado democrático de Direito, apontando que o militar praticou atos de execução. Com isso, a Primeira Turma do STF formou maioria para condenar o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro por este crime.

Fux votou pela absolvição de Cid pelos demais crimes dos quais o tenente-coronel era acusado. Ele também votou pela absolvição, por todos os crimes, do ex-comandante da Marinha Almir Garnier e pela suspensão total da ação contra Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência).

Ele ainda vai apresentar seus votos sobre os casos de Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro em 2022).

Durante a sessão, Fux manifestou uma série de discordâncias em relação a Moraes e outros ministros, num enfrentamento direto o relator do processo. Ele também votou três vezes pela nulidade da ação, incluindo o entendimento de que o STF não seria o foro adequado para julgá-lo.

Ao analisar as acusações contra Bolsonaro e o núcleo central da trama, o ministro disse que o crime de golpe de Estado não pode ser configurado pela “mera irresignação com o resultado eleitoral”.

“A norma penal pune, na realidade, a conduta deliberadamente dirigida a conduzir a nação ao estágio de regime autoritário híbrido ou puro, com efetiva capacidade de atingir esse objetivo em todos os seus aspectos necessários”, disse.

O voto de Fux encerra meses de incertezas sobre como o ministro se posicionaria diante do processo sobre a tentativa de golpe de Estado liderada pelo ex-presidente após a derrota nas eleições presidenciais para Lula (PT) em 2022.

Fux comparou, por diversas vezes, o comportamento dos réus a uma inconformidade com a derrota na eleição de 2022.

“Obviamente, o legislador não teve intenção de amesquinhar o direito penal, quanto mais para criminalizar o funcionamento corriqueiro dos órgãos políticos ou desabafo de candidatos derrotados a cargos públicos, comumente chamado de ‘choro de perdedor’.”

O ministro afirmou ainda que o Código Penal aponta que manifestação crítica aos Poderes constitucionais não é uma tentativa de golpe ou de atentado ao Estado de Direito, citando “bravatas proferidas por agentes políticos contra membros de outros Poderes, ainda que extremamente reprováveis”.

Segundo ele, golpe de Estado não resulta de “atos isolados e manifestações individuais desprovidas de articulação, mas sim de ação de grupos organizados dotados de recursos materiais e capacidade estratégica aptos a enfrentar e diminuir o Poder incumbente”.

Logo no início do voto, Fux afirmou que “não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim, apropriado ou inapropriado”.

Ele também havia destacado ponto a ponto as principais queixas apresentadas pelas defesas no processo sobre a trama golpista e apresentou suas posições divergentes a Moraes de forma enfática.

Mais tarde, ele tentou fazer um aceno a Moraes. “Nós temos dissenso e não temos discórdia. Somos amigos. Esse debruçar profundo decorre da dedicação dele ao processo.”

Fux defendeu a anulação da ação penal por entender que o processo não deveria estar no Supremo, e sim na primeira instância, já que os réus deixaram de ter foro privilegiado após deixarem seus cargos. Até agora, a defesa da nulidade do processo é minoritária na Primeira Turma.

Ele ainda votou pela nulidade de todo o processo sobre a trama golpista por acreditar que houve cerceamento de defesa com o envio tardio de 70 terabytes de arquivos digitais apreendidos pela Polícia Federal durante a investigação.

O ministro vinha dando sinais de que poderia ser um contraponto a Moraes. A leitura foi reforçada pelo voto do ministro no julgamento sobre as medidas cautelares contra Bolsonaro, que passou a usar tornozeleira eletrônica. Fux foi o único ministro do colegiado a se posicionar contra as restrições.

O envolvimento direto de Fux no processo da trama golpista foi considerado incomum por assessores de ministros, advogados do caso e de fora dele ouvidos pela Folha. O ministro participou de todas as etapas, e a conduta foi vista como uma tentativa de agir de forma independente. Além de Moraes e Fux, compõem a Primeira Turma Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

A tese de que não houve ato que configure a execução de uma tentativa de golpe de Estado foi levantada por defesas dos réus pela trama golpista, como Bolsonaro. Esse foi um dos caminhos defendidos para buscar a absolvição dos acusados.

O descolamento de Fux em relação a outros ministros da Primeira Turma é interpretado no tribunal como um dos motivos para ter sido poupado, assim como Kassio Nunes Marques e André Mendonça, da revogação de visto para os EUA pelo governo Donald Trump.

Diferentemente dos outros dois magistrados, que foram indicados à corte por Bolsonaro quando presidente, Fux foi indicado em 2011 por Dilma Rousseff (PT).

Fux tem manifestado preocupação com punições que classifica como exacerbadas. Enquanto o restante do colegiado condenou a cabeleireira Débora dos Santos, a Débora do Batom, a 14 anos de prisão, Fux sugeriu um ano e seis meses.

Antes de Fux, votaram pela condenação de Bolsonaro os ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino.

Moraes abriu o julgamento com um voto em que atribuiu a Bolsonaro o papel de liderança da trama. “O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou.

Dino foi o segundo a votar. Ele acompanhou integralmente a posição de Moraes quanto à condenação de Bolsonaro e da maior parte dos réus, afirmando que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e Braga Netto ocupavam posições de comando na organização criminosa. Ele indicou que pode votar por penas mais brandas para alguns réus, como os ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira.

A posição de Cármen e Zanin, os próximos a votarem, será importante para que a defesa dos réus defina a estratégia após o julgamento, com recursos a serem apresentados ao Supremo. Se houver dois votos contra a condenação por algum dos crimes, os advogados podem levar ao tribunal os chamados embargos infringentes, com questionamentos à decisão.

A Primeira Turma do Supremo vai discutir ainda nesta semana qual será o tamanho da pena de Bolsonaro. A condenação pode chegar a 43 anos de prisão, considerando as penas máximas de todos os crimes pelos quais foi denunciado.

O ex-presidente só deve ser preso após o fim do processo, quando a defesa de Bolsonaro não tiver mais recursos a apresentar ao Supremo. A jurisprudência do tribunal define que a pena só deve ser cumprida após a rejeição dos dois primeiros embargos.