BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O hacker Walter Delgatti Neto afirmou nesta quarta-feira (10), na Câmara dos Deputados, que invadiu sistemas de Justiça a pedido da deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).

A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) da Casa tomou depoimento do hacker no processo de cassação da deputada, cujo relator é o deputado Diego Garcia (Republicanos-PR).

Zambelli, que está presa na Itália, participou remotamente da sessão e chegou a discutir com Delgatti. A deputada o acusou de ser mitomaníaco, ou seja, mente compulsivamente.

O STF (Supremo Tribunal Federal) condenou Zambelli, em maio, à perda de mandato e a dez anos de prisão por invadir o sistema do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). A deputada e o hacker foram condenados pelos crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.

Terminadas as oitivas, o relator tem cinco sessões para apresentar seu parecer. Após a votação do caso pela CCJ, a destituição do mandato será decidida pelo plenário da Câmara —é preciso maioria de 257 votos para cassar a deputada.

Nesta terça-feira (9), a Mesa Diretora da Câmara autorizou que o suplente de Zambelli, deputado Missionário José Olímpio (PL-SP), alterasse a composição do gabinete. Ou seja, ele poderá demitir funcionários ligados à deputada e contratar nomes de sua preferência.

Segundo Delgatti, Zambelli pediu que ele invadisse, além do CNJ, os sistemas do STF, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o código-fonte da urna eletrônica —neste caso, o hacker diz ter tentado, sem sucesso.

“Ela queria que eu conseguisse comprovar que o sistema era violável. […] Ela queria desacreditar o discurso de segurança do sistema de Justiça”, disse ele, dizendo ter se arrependido. A ação ocorreu no contexto de ataques bolsonaristas às urnas eletrônicas.

O hacker afirmou que Zambelli “exerceu comando direto sobre os crimes” e lhe prometeu um emprego em troca, o que não teria sido cumprido. Ele disse ainda que emitiu uma ordem de prisão falsa contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, a pedido dela, que argumentou que ele estaria “salvando a democracia e o país”.

Zambelli também fez perguntas à testemunha e buscou explorar divergências nos relatos de Delgatti. O hacker disse, por exemplo, que morou cerca de 20 dias no apartamento funcional da deputada, enquanto ela afirmou que isso era mentira e que ele passou apenas algumas horas ali.

Deputados de esquerda protestaram, argumentando que o que ocorria na sessão era uma acareação, medida que Zambelli chegou a pedir, mas que já havia sido descartada pelo relator por falta de previsão do regimento.

A defesa da deputada acusou Delgatti de ser o dono de vídeos de pornografia infantil encontrados pela Polícia Federal em seu computador, o que ele negou. Segundo o hacker, o material pode ser fruto de invasões dele a computadores alheios.

Delgatti Neto está preso em Tremembé (SP). Ele ficou conhecido como hacker de Araraquara após invadir aplicativo de mensagem do então procurador responsável pela Lava Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, o que deu origem aos vazamentos que colocaram em dúvida a imparcialidade do então juiz Sergio Moro.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), havia dito inicialmente que a Mesa da Câmara homologaria a ordem de cassação imediatamente, mas recuou após pressão do PL e mandou o caso para análise da CCJ.

No início da sessão, o presidente da CCJ, deputado Paulo Azi (União Brasil-BA), pediu que houvesse cordialidade entre os deputados, mas a sessão foi marcada por discussões entre esquerdistas e bolsonaristas.

Azi declarou ainda que o caso “é um processo único”, sem precedentes na Casa, e com “circunstâncias imprevisíveis à comissão”.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) questionou a decisão da CCJ de ouvir a deputada, a quem chamou de condenada e foragida. Na mesma linha, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) afirmou que as testemunhas de Zambelli são protelatórias.

Bia Kicis (PL-DF) respondeu que as parlamentares de esquerda são contrárias ao direito de defesa e disse a Zambelli que a direita não lhe abandonou, momento em que a deputada chorou.

De acordo com a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República), Zambelli planejou e comandou juntamente com o hacker Walter Delgatti uma invasão aos sistemas institucionais do conselho com o objetivo de emitir alvarás de soltura falsos e provocar confusão no Judiciário.

A deputada fugiu do país, passando pela Argentina e Estados Unidos antes de desembarcar na Itália. Depois de cerca de dois meses foragida, Zambelli foi presa na Itália, no fim de julho, e aguarda, detida em um presídio em Roma, a decisão sobre seu processo de extradição para o Brasil.

Ainda nesta quarta, a CCJ tomou o depoimento de Michel Spiero, assistente técnico da defesa da deputada, que é especialista em provas digitais. Na semana que vem, se aceitarem o convite, serão ouvidos, também por indicação da defesa de Zambelli, Eduardo Tagliaferro, ex-assessor de Moraes, e Jeffrey Chiquini, advogado de Filipe Martins. Por fim, a própria deputada será ouvida.

Nem todos os nomes indicados por Zambelli para oitivas aceitaram prestar depoimento —foi o caso do general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, do delegado Flávio Vieitez Reis e do policial federal Felipe Monteiro de Andrade.

O assunto divide a própria bancada do PL. Enquanto alguns deputados acreditam que o relatório de Garcia será pela não cassação e que haverá votos para salvá-la, outros afirmam que, mesmo se não for extraditada, Zambelli não terá como exercer o mandato da Itália.