SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nesta quarta-feira (10), o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, votou pela condenação do tenente-coronel Mauro Cid por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. O ministro, por outro lado, defendeu a absolvição de Cid das acusações de organização criminosa armada, golpe de Estado e dano a bem tombado.
O voto de Fux pela condenação de Cid se soma aos dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, formando assim maioria pela condenação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro por abolição do Estado democrático de Direito.
Ao justificar a condenação, Fux citou a participação de Cid em diversas reuniões com militares golpistas, além de uma conversa com militares das forças especiais em 28 de novembro de 2022, o que “corrobora seu vínculo imediato com o que estava sendo planejado”.
“Cid teve papel relevante em reuniões estratégicas com militares, com formação especializada. Além de ter acompanhado de perto as reuniões de apresentação da minuta golpista, informando as evoluções aos seus comparsas”, afirmou o ministro. “Praticamente todos os encontros clandestinos narrados na denúncia contaram com a participação do réu.”
O voto de Fux já ultrapassa 7 horas de duração.
Ao afastar o réu da acusação de organização criminosa armada, Fux justificou que “não há qualquer prova nos autos que o réu se reuniu com mais de quatro pessoas para, de forma duradoura, praticar um número indeterminado de crimes destinados à tomada de poder do Brasil.”
O ministro classificou os ataques do 8 de janeiro como “um ato de barbárie injustificada” e reconheceu que eles tiveram proporção “amazônica”, mas afirmou que eles não podem ser atribuídos a Cid, que na data estava de férias nos Estados Unidos. Segundo Fux, a gravidade do ocorrido não justifica uma responsabilização genérica. “Foi mais frustração de quem estava lá do que um golpe de Estado”, disse.
Na denúncia enviada ao Supremo, a PGR (Procuradoria Geral da República) descreveu Mauro Cid como um porta-voz de Bolsonaro que atuou na transmissão de orientações a membros do grupo que buscava a ruptura institucional.
Mauro Cid fechou um acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal em agosto de 2023 e prestou uma dezena de depoimentos à corporação e ao Supremo em pouco mais de um ano de investigação.
A delação, as prisões e os depoimentos fizeram Cid, antes uma figura discreta e com atuação concentrada nos bastidores, tornar-se um dos personagens mais importantes do processo da trama golpista.
O tenente-coronel de 46 anos era considerado um oficial promissor dentro do Exército. É filho do general da reserva Mauro Lourena Cid, que foi amigo de Jair Bolsonaro desde quando ambos foram cadetes na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
Como ajudante de ordens, foi uma das pessoas mais próximas do então presidente. Era, por exemplo, quem organizava as lives semanais de Bolsonaro.
A Polícia Federal encontrou uma minuta de decreto de estado de sítio nos celulares do militar. Cid também foi implicado nos casos das falsificações de cartões de vacina da família Bolsonaro e da tentativa de vender joias recebidas pela Presidência da República durante o governo bolsonarista, entre outros casos.
No início do processo, o militar acreditava que poderia se livrar das acusações e retomar sua carreira dentro do Exército. A situação, porém, ficou insustentável. Em agosto, como mostrou a Folha, ele pediu formalmente para se aposentar.
Segundo o acordo de delação premiada, em troca de falar tudo que testemunhou na reta final do governo Bolsonaro, Cid teria um perdão judicial ou seria condenado a uma pena curta, além de evitar impactos judiciais para seus familiares.
Alguns dos réus, como Bolsonaro e o ex-ministro e general Walter Braga Netto, tentaram anular a delação. O relator, ministro Alexandre de Moraes, votou para validar o acordo e foi seguido pelos ministros Flávio Dino e Luiz Fux.
A delação foi marcada pelo vaivém do militar. Ele não compartilhou informações importantes para a investigação nos primeiros depoimentos e mudou de versão sobre figuras-chave no processo, como Braga Netto.
Na primeira semana de julgamento, quando as defesas dos réus foram ouvidas, os representantes de Cid foram os primeiros a falar justamente por ele ser colaborador da Justiça.
Os advogados negaram que ele tenha sido coagido a fechar o acordo e disseram que, sem a delação, fatos relevantes como a reunião de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas não seriam conhecidos.