SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O riso e o choro caminham juntos em “Sonhar com Leões”, longa que estreia na quinta-feira (11) nos cinemas brasileiros. Dirigido pelo grego-português Paolo Marinou-Blanco, o filme apresenta uma tragicomédia sobre eutanásia, tema delicado que aqui ganha contornos de humor ácido e melancolia.
Na trama, Denise Fraga interpreta Gilda, uma imigrante brasileira em Lisboa que, após ser diagnosticada com doença terminal, decide planejar a própria morte. “Gilda não se arrasta, ela inventa meios, toma riscos, protagoniza até uma cena de ação”, diz a atriz à reportagem. “O valor está justamente nessa contradição: a vitalidade dela para morrer.”
Com apenas um ano de vida pela frente e após quatro tentativas frustradas de suicídio, Gilda busca apoio em uma organização clandestina chamada Joy Transition International, que promete ensinar doentes terminais a morrer sem dor.
É nesse espaço que ela conhece Amadeu (João Pedro Mamede), um funcionário de agência funerária que também luta contra uma doença terminal. Entre oficinas de eutanásia, fracassos e fugas improváveis, os dois acabam se tornando parceiros de uma aventura que mistura lirismo, humor e dor.
Paolo explica que nunca pensou em alterar o destino da protagonista. “Em nenhum momento cogitei que Gilda pudesse sobreviver. Seria uma traição à personagem e também ao meu pai, que foi inspiração para o filme”, avalia. “Além disso, eu sentiria que estaria desrespeitando pessoas que passam por escolhas tão difíceis. O objetivo não é dar uma resposta, mas provocar debate. Se ela sobrevivesse, a mensagem seria outra, quase uma negação da realidade.”
Denise concorda que o roteiro só tem força porque encara a morte de frente. “Isso nos faz pensar muito. É um filme que começa como uma comédia quase fabular e termina como um suspense existencial. Essa virada é o que prende e provoca”, afirma.
O diretor ressalta que esse contraste sempre esteve nos planos: “Desde o início, a ideia foi trabalhar na chave da tragicomédia, com ironia e sátira, mas sem virar as costas para a dor. Há um ponto em que o tom muda e o espectador percebe que, apesar do humor, estamos diante de questões existenciais profundas”.
Denise afirma que enfrentou um dos papéis mais desafiadores da carreira. “Foi um trabalho de precisão”, comenta. “Paolo é muito rigoroso no que quer e eu também sou obsessiva com tempo cômico, com o olhar certo, o gesto exato. Essa é uma das personagens mais incríveis que já interpretei e me ensinou muito. Carreguei um pouco dela comigo depois das filmagens.”
A química com João Pedro Mamede, parceiro de cena, também foi essencial. “Eu não o conhecia, mas nos tornamos grandes amigos. É um ator jovem, de enorme estofo intelectual e artístico”, elogia. “A relação entre Gilda e Amadeu não é convencional, não é explicada. Ela simplesmente acontece, nasce da afinidade. E isso mostra que pessoas podem se amar por cumplicidade, por essa centelha que surge entre corpos afins, independente de idade ou gênero.”
Paolo reforça que essa escolha não foi por acaso. “Estamos acostumados a ver homens muito mais velhos com mulheres jovens no cinema sem questionar. Quando é o contrário, a estranheza aparece. Eu quis justamente subverter isso”, diz. “O par Gilda-Amadeu mostra que a conexão verdadeira não obedece a estereótipos.”
Outro detalhe que chama atenção no filme é a trilha sonora. Diferente de muitos longas nacionais, “Sonhar com Leões” aposta em silêncios. “Foi um desafio. Se a música pendesse demais para o leve, tiraria a importância de certas cenas. Se fosse muito pesada, perderíamos a ironia”, explica Paolo. “Trabalhamos para que a música entrasse apenas quando pudesse intensificar um momento. Ela é quase uma personagem discreta, que aparece na hora certa.”
Para Denise, o resultado é uma obra que desconcerta, mas também consola. “É raro a gente terminar um filme se sentindo bem com o próprio trabalho. Esse eu termino feliz. Gilda é muito diferente de mim, mas me transformou. E acho que pode transformar quem a assistir também”, afirma.