RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Uma Alice diferente, cientista, carrega uma chave e busca respostas diante de uma fechadura repleta de cadeias de RNAs e células, abrindo as possibilidades do “País das Maravilhas” da biologia molecular. Capa vencedora da edição de setembro da revista científica internacional Genome Research, a ilustração vai além da beleza da reflexão, representando resultados de uma pesquisa 100% brasileira que traz luz para mecanismos até então incompreendidos sobre o câncer de mama.
O estudo, conduzido por pesquisadores do Hospital Sírio-Libanês, foi destaque na publicação e ampliou a compreensão de como o câncer de mama escapa do tratamento.
Os resultados do artigo abrem novas possibilidades para o entendimento de como ocorre a resistência a terapias ligadas à proteína HER2, receptor presente em tumores do tipo.
Até então, a literatura apontava cerca de 20 formas de HER2, mas, apenas na amostra, foram identificadas 90 tipos diferentes da proteína, indicando uma complexidade muito maior que a conhecida até então.
A ilustração da capa da Genome foi criada a pedido dos pesquisadores e é assinada por Alice Brassanini Mena Barreto dos Reis, paciente que venceu o câncer de mama e foi tratada na instituição por um dos coautores, o oncologista clínico Carlos H. dos Anjos. A artista já havia se dedicado ao tema anteriormente ao registrar o próprio tratamento.
Em relação ao estudo, os pesquisadores analisaram dados de RNA-seq não processados de 561 tumores primários obtidos de pacientes do sexo feminino com câncer de mama. Os dados são acessíveis publicamente através do Programa Atlas do Genoma do Câncer (TCGA), ligado ao Instituto Nacional do Câncer (Inca).
Também foram avaliados RNA-seq de 50 linhagens celulares de câncer de mama adquiridos do Cancer Cell Line Encyclopedia (CCLE), entre outras amostras de RNA-seq de leitura longa obtidos em fontes similares.
“Lançar luz a esse conhecimento é de extrema importância para que sejam desenvolvidos novos tratamentos, mais direcionados, e novas formas de diagnóstico, mais precisos”, destaca Pedro Alexandre Galante, pesquisador-sênior responsável pelo estudo no Instituto Sírio-Libanês de Ensino e Pesquisa.
Galante, que é também coordenador do Grupo de Bioinformática do Hospital Sírio-Libanês, afirma que, embora já existisse uma hipótese embasada tanto na pesquisa quanto no dia a dia clínico, a diversidade encontrada na amostra foi surpreendente, tornando mais complexa a relação da biologia molecular do tumor com o tratamento.
“Em uma analogia simples: a gente tem diversos tipos de fechadura e chaves, mas cada chave só funciona na sua fechadura. O anticorpo é mais ou menos isso. Então, ele vai funcionar só naquela proteína. A gente descobriu, porém, que a fechadura pode mudar e foi uma grande surpresa”, aponta Galante.
O pesquisador lembra que, apesar de mudar pouco de imediato no tratamento, a descoberta pode ter grande impacto no futuro da terapia genômica do câncer de mama, doença que, apenas em 2025, foi diagnosticada em cerca de 70 mil mulheres no país, de acordo com Inca.
O custo alto do tratamento de precisão, que em cinco anos pode ultrapassar R$ 40 mil por paciente, foi uma das motivações dos pesquisadores para investigar o tema. “Esse trabalho pode ajudar a estratificar os pacientes, que devem ou não receber a droga e também, sobretudo, ajuda a entender o que que o tumor está usando para evadir, para escapar desse tratamento para que novos sejam desenvolvidos”, diz Galante.
Em nota, o oncologista njos ressaltou que os avanços no tratamento do câncer com terapias anti-HER2 ainda estão limitados, pois ainda existem “pacientes que não respondem ou que deixam de responder ao longo do tratamento.”
“Ao trazer essa hipótese, esperamos contribuir para futuras pesquisas que possam validar esses achados e, quem sabe, no futuro, transformá-los em aplicações clínicas concretas”, afirma o oncologista.
O modelo investigado aplica-se a pacientes classificados como HER2-low ou HER2-zero e foi avaliado por imuno-histoquímica. “Essa variabilidade ainda pouco explorada pode, em hipótese, contribuir para diferenças na resposta às terapias anti-HER2, especialmente aos anticorpos conjugados a drogas (ADCs)”, explicou Gabriela Guardia, coautora do estudo, também via comunicado do Sírio-Libanês.