SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quadros com bananas estão presentes, como não poderia ser diferente em uma exposição com obras de Antonio Henrique Amaral. Afinal, o artista paulistano notabilizou-se pela série “Bananas”, telas pintadas na década de 1970 que traziam a fruta como símbolo fálico e também amarrada, cortada ou fincada por um garfo, metáfora sobre os anos de ditadura militar.

“Mas esse símbolo se transformaria depois em algo trágico, até o momento em que a banana se confunde com vísceras, com partes do corpo humano. O que era cômico, com uma inclinação tropicalista, se transforma em algo traumático”, diz o arquiteto, museólogo e pesquisador José Augusto Ribeiro.

Ele é curador da exposição “Campo de Batalha: Antonio Henrique Amaral 90 Anos”, em cartaz na Casa Triângulo, em São Paulo, uma dupla homenagem ao artista pelas nove décadas de seu nascimento, 1935, e os dez anos de sua morte, 2015.

Com cerca de 50 obras, a mostra oferece uma visão panorâmica da produção de Amaral, com desenhos, gravuras e pinturas, criadas entre 1957 e 2011.

“Optei por apresentar como são recorrentes os procedimentos de construção de formas a partir de estruturas muitas vezes compostas por elementos heterogêneos, como naqueles primeiros desenhos que mostram algo meio animal, meio vegetal, às vezes meio homem, meio animal, passando pelos cachos de bananas e depois pelo desfazimento de tudo”, afirma Ribeiro.

Ele escolheu “Campo de Batalha” como título da exposição não apenas em homenagem à série de trabalhos que Amaral produziu entre 1973 e 1976, notadamente pinturas e desenhos, mas também para revelar como a contemporaneidade da sua obra está justamente no fato de suas pinturas oscilarem entre o subjetivo e o político.

Advogado de formação, Antonio Henrique Amaral iniciou sua formação artística na Escola do Museu de Arte de São Paulo nos anos 1950. Depois de estudar gravura em Nova York, voltou ao Brasil onde, em 1967, publicou o álbum de xilogravuras “O Meu e o Seu”, acompanhado de texto do poeta e crítico de arte Ferreira Gullar.

São sete estampas com cenas de incomunicabilidade, gestos autoritários, pensamentos íntimos e por pedidos de paz e prosperidade como palavras de ordem.

“É quando o fracionamento de estruturas atravessa seu trabalho, além da multiplicação de figuras, como bocas”, diz o curador. “Há cabeças com duas ou três delas, e há bocas sem cabeça nenhuma, abertas, com dentes e língua à mostra, entre falantes e sacanas. De um jeito bem-humorado, está implícita uma violência que elimina os corpos e impede a fala.”

É como o artista revelava seu inconformismo com os rumos do país sob uma ditadura militar, sentimento que culminaria em 1968 quando inicia a famosa série das bananas, com a qual conseguiu concentrar toda a sua insatisfação com o contexto histórico.

“Nela, Antonio Henrique Amaral conseguiu incutir ao significado das bananas, como símbolo da vida nacional, o caráter alegórico da fruta, para denunciar o regime autoritário que atentava contra as conquistas de um Brasil independente e democrático”, escreveu Ferreira Gullar na Folha de S.Paulo em 2015, quando o artista morreu.

Em seguida, as frutas começaram a aparecer amarradas ou suspensas por cordas, à medida que se intensificava a repressão do regime autoritário. “Com as bananas, ele cria um símbolo bem-humorado, fálico, ao mesmo tempo muito latino (e brasileiro em particular) e que deixa implícita a submissão política, cultural e econômica do nosso continente ao jugo norte-americano”, afirma Ribeiro.

A exposição acompanha a fase seguinte de Amaral, marcada por temas passionais, como em “Casal de Novo” (1995), em que dois torsos, unidos em um só corpo, flutuam em meio a uma enorme nuvem de fumaça, que sugere a detonação de uma bomba atômica. “Mesmo quando tratam de assuntos pessoais, íntimos, os quadros têm uma intensidade bombástica.”

Singular também é a produção gráfica do final da trajetória do artista até 2014, especialmente os dois trabalhos que estão na mostra, “Ameaça” (1991) e “Armas” (1992), que parecem falar de um desencantamento, de algo que está se desfazendo, desmoronando.

“Visualmente é algo muito forte, com uma tremenda carga lírica”, afirma o curador, para quem o artista, ao longo de sua trajetória, participou de embates com o expressionismo, o surrealismo, o cubismo, com a tropicália, o pop e o chamado realismo mágico.

“Ao observar seu trabalho do início ao fim, é possível notar, além das questões políticas, preocupações ecológicas motivadas pelo crescimento urbano descontrolado”, diz Riberio. “Tudo filtrado por um olhar muito pessoal no qual desejos, afetos, martírios, dúvidas existenciais se revelam um importante motor do trabalho.”

Antonio Henrique Amaral acreditava que os artistas são os seres que melhor convivem com a falta de sentido da vida. “Nós constatamos e registramos com mais facilidade porque não procuramos decifrar o mistério”, disse ele. Como prova, deixou uma obra que mostra inúmeras facetas dos estados sensoriais do cotidiano.

CAMPO DE BATALHA: ANTONIO HENRIQUE AMARAL 90 ANOS

Quando Até 27/9. De ter. a sex., das 10h às 19h. Sáb., das 10h às 17h

Onde Galeria Casa Triângulo – r. Estados Unidos, 1.324, São Paulo

Curadoria José Augusto Ribeiro