BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na leitura de seu voto nesta quarta-feira (10) no julgamento da trama golpista, o ministro Luiz Fux disse que o papel do julgador não pode se confundir com o de agente político, afirmou que o STF (Supremo Tribunal Federal) não tem competência para julgar oito réus sem prerrogativa de foro e comparou a velocidade de andamento do processo, avaliada como acelerada, com a do mensalão.
Fux ainda afirmou que a defesa dos réus foi cerceada e que não há provas de que os acusados tinham o dever de impedir os ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
O ministro também disse que a PGR (Procuradoria-Geral da República) não conseguiu demonstrar na denúncia que a trama golpista configura uma organização criminosa armada.
O voto de Fux foi o terceiro, após o relator, Alexandre de Moraes, e Flávio Dino, que se manifestaram na terça-feira (9). Veja abaixo algumas das principais frases do voto.
**IMPARCIALIDADE DO STF**
Fux abriu sua fala com a defesa de que o Supremo e seus membros não podem decidir com base em critérios políticos, mas sim de maneira imparcial e independente. Com isso, fez referência indireta a críticas que são frequentemente dirigidas a Moraes.
“Ao contrário de Legislativo e Executivo, não compete ao STF realizar um juízo político do que é bom ou ruim, apropriado ou inapropriado. Compete a este tribunal afirmar o que é constitucional, legal ou ilegal. Não se deve confundir o papel do julgador com o do agente político”
“Não apenas por não dispor de competência investigativa ou acusatória, como também por seu necessário dever da imparcialidade. Aqui reside a maior responsabilidade da magistratura. Ter firmeza para condenar quando houver certeza e, o mais importante, ter humildade para absolver quando houver dúvida. A independência do juiz criminal tem como alicerce a racionalidade de seu mister, afastada do clamor social e político dos processos judiciais”
**FORO**
Fux defendeu a nulidade do processo com base na falta de competência do STF para julgar os oito réus. Segundo ele, os acusados não têm foro por prerrogativa de função e, por isso, o caso deveria ser julgado na primeira instância.
“Não estamos julgando pessoas com prerrogativa de foro, estamos julgando pessoas que não têm prerrogativa de foro (…) Nós estamos diante de uma incompetência absoluta [do STF], que é impassível de ser desprezada como vício intrínseco ao processo”
O ministro também afirmou que, ainda que permanecesse no STF, o processo deveria ser julgado no plenário, e não somente na Primeira Turma.
“Ao rebaixar a competência originária do plenário para uma das duas turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam exteriorizar as suas formas de pensar sobre os fatos a serem julgados nessa ação penal. É um dado curioso: a Constituição Federal, em razão do número diminuto, somos 11 ministros, ela não se refere a turmas, ela se refere ao plenário”
**VELOCIDADE COMPARADA**
Fux comparou as velocidades de andamento dos processos da trama golpista e do mensalão para apontar a rapidez do caso atual -161 dias entre o recebimento da denúncia e o início do julgamento de Bolsonaro e outros sete réus, apontou o magistrado.
“O processo [do mensalão] levou dois anos para receber a denúncia e cinco anos para ser julgado. Trabalho exaustivo do eminente relator [Joaquim Barbosa], mas que, diga-se a realidade, um trabalho que ninguém conhecia melhor que ele. Vou ter a falsa modéstia, ministro Alexandre, que eu procurei analisar cada detalhe de seu trabalho, um trabalho muito denso, e entender que, até para mim, ter esse voto foi motivo de extrema dificuldade.”
**’DOCUMENT DUMP’**
Fux votou pela nulidade do processo por entender que houve disponibilização de grande quantidade de arquivos por parte da Polícia Federal sem que os advogados de defesa tivessem tempo hábil para análise. Os advogados fizeram referência à prática como “document dump” ou “data dump” durante o julgamento. Segundo o ministro, houve cerceamento do direito de defesa.
“Apenas em meados de maio, apenas cinco dias antes das oitivas a polícia enviou link para as defesas com 70 terabytes. Pastas e arquivos que se encontravam sem qualquer nomenclatura adequada ou índice que permitisse uma pesquisa.”
**PRIMEIRA MAIORIA**
Após divergir três vezes dos ministros Moraes e Dino, Fux validou a delação do tenente-coronel Mauro Cid e formou a primeira maioria do julgamento.
“Uma colaboração premiada com tibieza precisa ser rescindida, mas o réu colaborou com as delações sempre acompanhado de advogado.”
**ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA**
Fux votou por descartar a condenação de Bolsonaro e dos demais réus por organização criminosa. Segundo ele, não foi comprovada a permanência e estabilidade da organização para a prática de delitos indeterminados.
“O efeito da existência de um plano criminoso não basta para caracterização do crime de organização criminosa. (…) Se a orcrim [organização criminosa] só se caracteriza [com a prática de delitos indeterminados], e, no caso dos autos, imputou[-se] aos seus réus o planejamento de crimes determinados, ressoa manifesta a inadequação típica das condutas. A mão não entra na luva”
“E ainda sem se debruçar sobre as provas individualizadas, essas condutas, no meu modo de ver, abstratamente se encaixam melhor no concurso de pessoas”
Fux ainda disse que a Procuradoria-Geral da República não comprovou uso de arma de fogo pelos réus da trama golpista.
“Trata-se do trecho que o PGR cita notícias sobre a alegada presença de CACs [caçadores, atiradores e colecionadores] nos denominados acampamentos, menção essa sem qualquer comprovação nos autos, sem indicação de que tenha sido feita qualquer apreensão e, mais importante, sem qualquer vinculação com os réus. Estamos julgando os réus”
**DANOS DO 8/1**
Segundo o ministro, a acusação não prova que os réus tinham o dever de impedir os danos causados pelo ataque às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“Não há nenhuma prova de que algum dos réus tinha o dever específico de impedir os danos causados pela multidão em 8 de janeiro de 2023. Nesse sentido, a teoria jurídica estabelece que a omissão não se configura apenas pela ausência da ação, mas ausencia de ação capaz de impedir o resultado do crime. Isso deve ser um dever jurídico especiíico, não apenas uma obrigação moral genérica”
“A simples alegação de liderança intelectual, sem evidências concretas de responsabilidade de um indivíduo pelo dano, não é suficiente para a acusação”
Além disso, Fux afirmou que não há provas de que o grupo tenha ordenado a destruição e que, na verdade, há evidências de que um deles, Anderson Torres, ex-diretor da PF, teria agido para defender o prédio do STF.
“Não há prova nos autos de que os réus tenham ordenado a destruição e depois se omitido. Pelo contrário, há evidências de que assim que a destruição começou, um dos réus tomou medidas para evitar que o edificio do Supremo fosse invadido pelos vândalos. Eu atestei, pela prova dos autos, que o réu Anderson Torres assim agiu”
Para argumentar que não foi demonstrado o vínculo dos réus com os danos causados nos ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023, Fux lembrou do escândalo dos aloprados, em que foi apreendido dinheiro com petistas para a compra de um dossiê na campanha de 2006, e dos “black blocs”, ativistas adeptos da depredação de patrimônio que foram, em parte significativa dos casos, absolvidos em São Paulo e Rio de Janeiro. Eles se tornaram conhecidos nas manifestações de junho de 2023.
“Apareceu uma montanha de dinheiro que foi recolhida por aloprados. Não se sabe a autoria. Os “black blocs” invadiram o Rio e São Paulo. Foram absolvidos. Não se pode reconhecer uma responsabilidade solidária por todos os danos ocorridos em 8 de janeiro de 2023″