FOLHAPRESS – Certos temas exigem um cuidado especial com o desenrolar da trama, sob o risco de afastar boa parte do público ou até entrar nos domínios da “abjeção”. O suicídio é um desses temas. Quando se tenta fazer uma comédia com o assunto, o risco é tão grande quanto fazer humor em campo de concentração.

No caso de “Sonhar com Leões”, segundo longa de Paolo Marinou-Blanco, a ideia é fazer uma comédia não só sobre o suicídio, mas também sobre a possibilidade de fracasso de quem tenta se suicidar.

O filme, uma coprodução entre Brasil, Portugal e Espanha, passou no último Festival de Gramado, onde motivou, previsivelmente, debates acalorados a respeito da eutanásia, quase nunca a respeito de sua forma, o que tem sido padrão em muitos festivais de cinema.

Seu diretor, cujo currículo informa ser português e grego, mas com anos de experiência no cinema americano e com Spike Lee, revela algumas cartas na manga. O roteiro é também escrito por ele.

Numa época em que as pessoas não se ofendiam tão facilmente, o genial Frank Zappa gravou “Suicide Chump”, em que aconselhava uma pessoa a encontrar uma ponte e saltar dela, mas com a certeza de ser bem-sucedida, pois nada pior do que um suicida estúpido.

Hoje, talvez o talento da brasileira Denise Fraga consiga evitar que parte do público se revolte. Porque a revolta em si é previsível, já que o filme caminha em terreno minado, num país em que já é difícil se discutir seriamente a eutanásia. Luta-se, aqui, para diminuir o índice de revolta, ou mesmo driblar esse sentimento.

A atriz interpreta Gilda, uma mulher desenganada por um tumor no cérebro. Tudo o que ela quer é se matar antes que a decadência mental e física seja muito mais dolorosa.

Conforme suas tentativas de suicídio fracassam, ela entra em um grupo surreal em que as pessoas se ajudam a preparar melhor a próxima tentativa, e se preparar mentalmente para não fracassar.

Nesse grupo, ela conhece o jovem Amadeu, personagem do ator português João Nunes Monteiro, de “Diários de Otsoga”, longa de Miguel Gomes e Maureen Fazendeiro. Amadeu trabalha em uma agência funerária. Ele consegue conversar com os mortos que maquia delicadamente para os velórios, em momentos colocados com surpreendente sutileza no filme.

Isa, vivida pela portuguesa Joana Ribeiro, é uma comunicadora do grupo que vai ter um papel importante, tanto no desnudamento da farsa comercial que é o lugar onde trabalha quanto numa possível solução para o dilema de Gilda.

Recentemente tivemos um grande filme sobre eutanásia, o melodrama “O Quarto ao Lado”, de Pedro Almodóvar, em que Tilda Swinton convida Julianne Moore a acompanhá-la em seu desejo de tomar a chamada pílula do suicídio, numa casa localizada em local paradisíaco. É um filme triste e tocante, muito por causa da direção.

Marinou-Blanco preferiu outro registro, mais fácil e mais perigoso ao mesmo tempo, pois brinca o tempo todo com algo muito sério. Imaginou um mundo em que a eutanásia, embora ainda ilegal, já é comercializada, transformada em mercadoria.

Gilda é inicialmente apresentada de maneira cínica, falando o tempo todo com o espectador graças ao batido artifício do rompimento da quarta parede. No começo, fica uma coisa boba, lembra as comédias populares brasileiras. Aos poucos, graças ao carisma da atriz, aceitamos melhor o artifício.

Essa aceitação ajuda a atenuar um pouco o mal-estar do tema. Ao mesmo tempo, em alguns momentos, a trama vai fundo, corajosamente, no sentimento que leva uma pessoa a tão drástica decisão.

Temos então um trabalho de suavização seguido de um movimento de exacerbação, e assim consecutivamente. Quando nos acostumamos a rir do desespero dos personagens, o filme nos golpeia em nossa falta de sensibilidade.

Provoca um sentimento de realidade paralela para logo depois nos trazer de volta ao nosso mundo. Esse pêndulo entre emoções opostas é seu trunfo.

SONHAR COM LEÕES

– Avaliação Bom

– Quando Estreia nesta quinta-feira (11) nos cinemas

– Classificação 16 anos

– Elenco Denise Fraga, João Nunes Monteiro, Joana Ribeiro

– Produção Portugal, Brasil, Espanha, 2024

– Direção Paolo Marinou-Blanco