SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma fábrica de insumos farmacêuticos e uma igreja ligada a vereador estão entre os beneficiados de projeto de lei aprovado pela Câmara de Municipal na semana passada que prevê a concessão de 13 ruas de São Paulo à iniciativa privada. O texto aguarda sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
As vias foram inseridas de última hora em votação definitiva por meio de emendas sugeridas por vereadores. Entre elas, está a de autoria do parlamentar Isac Félix (PL) que incluiu a rua Canoal, na Vila Andrade, à lista de possíveis concessões.
A via fica ao lado da Igreja Batista do Morumbi, ligada ao vereador, e é tomada por vagas de estacionamento em 90 graus. Ao lado há um estacionamento particular.
Outra rua alvo de emendas dos vereadores fica em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo. A rua América Central sedia a farmacêutica Apsen, que ocupa quase a totalidade dos 210 metros concedidos, em ambos lados da via. O restante é tomado por endereços residenciais que reagiram à decisão.
Ali há uma pequena travessa que dá acesso a sete casas. Duas delas já foram adquiridas pela farmacêutica. Os proprietários das demais estão sendo sondados para vender os imóveis há, pelo menos, um ano.
A emenda aprovada na Câmara Municipal na última quarta-feira (3) autoriza a prefeitura a leiloar a rua para a iniciativa privada, caso o projeto seja sancionado pelo prefeito. Os moradores afirmam não ter sido consultados e que souberam da possibilidade pela imprensa.
A aposentada Antonieta Isabel Cruz, 65, já recebeu ligações dos parentes em Pernambuco preocupados com a possível venda da rua onde mora há 35 anos com o marido, de 88 anos, e o filho autista, de 47. “Nem eu sei como explicar”, diz. “Agora a gente fica até com trauma. Pensa só, se a gente compra uma casa em uma vila, e acontece a mesma coisa?”.
A moradora mais antiga da travessa é a aposentada Eva Pezibin, 83, que mora ali desde 1969. “Eles fizeram proposta, eu não aceitei. Até brinquei com eles, pedi R$ 2 milhões. Disseram que poderíamos conversar, mas eu não tenho interesse em vender”, afirma.
A secretária Camila Pezibin é filha de dona Eva, com quem deixa o filho Davi durante a manhã para poder trabalhar como secretária em um escritório de advocacia. Para ela, o possível leilão é um jogo de cartas marcadas no qual a Apsen vai sair vencedora.
“A gente sabe que vai perder, mas vamos tentar lutar. A gente vivia em paz há uma semana atrás, agora, já virou um inferno”, diz.
Procurada, a empresa Apsen afirmou que aguarda a decisão do prefeito em relação às emendas para se posicionar.
O vereador Félix também foi questionado mas não respondeu.
Nesta terça-feira (9), o Ministério Público abriu investigação para apurar a proposta de concessão de ruas ocupadas por residências.
Em nota, a gestão Nunes informou que o projeto de lei 673/2025 ainda passará pela análise do Executivo e que “emendas que tratam de ruas usadas como acesso a residências e incluídas no PL sem a concordância dos moradores serão vetadas”.
Aprovado em primeira votação no fim de junho, o texto é de autoria da gestão da gestão Nunes e previa, originalmente, a venda de uma pequena travessa no Jardins, bairro na zona oeste.
A travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior liga a alameda Lorena a uma vila residencial, demolida para dar lugar a um empreendimento imobiliário de alto padrão.
No caso, a travessa integra projeto de um empreendimento de alto padrão a ser erguido no endereço.
Ao longo da tramitação na Câmara, o projeto de lei recebeu mais de dez emendas para desincorporar outras vias do poder público.
Um dos trechos fica na avenida Faria Lima, no Itaim Bibi. Trata-se de um terreno de 140 metros quadrados entre a avenida Presidente Juscelino Kubitschek e a rua Leopoldo Couto Magalhães Júnior, em frente ao icônico “prédio da baleia”.