SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após uma noite de eventos extraordinários, com ao menos 19 violações de seu espaço aéreo por drones durante um mega-ataque da Rússia à vizinha Ucrânia, a Polônia convocou seus 31 colegas da aliança militar Otan para discutir os próximos passos da crise.

“Não há motivo para dizer que estamos em um estado de guerra, mas a situação é significativamente mais perigosa do que as anteriores”, disse ao Parlamento nesta quarta (10) o premiê Donald Tusk, para quem o risco de um conflito de grande escala “está mais próximo do que em qualquer outro momento desde a Segunda Guerra Mundial”.

O porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, queixou-se de que europeus sempre acusam a Rússia de provocações, mas disse que preferia deixar comentários do caso para o Ministério da Defesa —que não se pronunciou. O encarregado de negócios russos em Varsóvia, Andrei Ordach, apenas disse que “os drones vieram da Ucrânia” após ser convocado à chancelaria local.

O pró-Ocidente Tusk e o presidente Karol Nawrocki, que é de um partido rival e próximo o americano Donald Trump, se reuniram e decidiram invocar o artigo 4 da carta da Otan, que prevê consultas ativas entre os integrantes da o clube militar quando há violações de soberania de um dos membros. Não houve danos sérios ou vítimas.

O secretário-geral da aliança, o holandês Mark Rutte, disse que a apuração do incidente está em curso. “Intencional ou não, foi absolutamente irresponsável, absolutamente perigoso”, afirmou.

Diversos líderes europeus expressaram solidariedade, mas também há cautela para evitar uma escalada. Há na memória um incidente do início da guerra, em 2022, quando um míssil que caiu do lado polonês da fronteira e matou dois fazendeiros foi identificado depois como ucraniano.

O temor, óbvio, é o de uma escalada indesejada que possa levar a um choque entre Moscou e Otan, potencialmente a Terceira Guerra Mundial —parlamentares americanos já falavam disso na noite de terça.

Mas o episódio desta noite parece algo totalmente diferente. Segundo a Folha ouviu de um analista militar russo nesta manhã, o alto número de drones desviados de seus alvos na Ucrânia rumo à Polônia sugere que houve uma ação visando testar a capacidade de reação dos belicosos rivais.

Já um observador da cena política disse, também sob anonimato, temer que o incidente limitado vise testar as intenções de Trump, depois de relatos veiculados na véspera de que os Estados Unidos querem que a Europa comece o ciclo de sanções tarifárias contra quem compra petróleo russo —China e Índia ficam com mais de 80% do produto hoje.

A sempre assertiva chefe da diplomacia da UE (União Europeia), a estoniana Kaja Kallas, falou em “ataque deliberado”. Já o presidente francês, Emmanuel Macron, afirmou que “é simplesmente inaceitável” o episódio, no que foi repetido pelo premiê britânico, Keir Starmer, e líderes de países como Finlândia e Holanda.

Até o premiê húngaro, Viktor Orbán, conhecido por sua defesa de Vladimir Putin e oposição a Kiev na guerra, considerou que “violação de soberania é inaceitável”. Ainda não houve manifestação da Casa Branca.

Em ocasiões anteriores, houve quedas acidentais de material russo na Ucrânia. No domingo (7), por exemplo, quando Putin enviou 810 drones e 13 mísseis no maior ataque aéreo da guerra, ao menos dois destroços atingiram o vizinho.

Nesta noite e madrugada, a ação foi grande, mas em menor escala: 458 drones, 21 dos quais atingiram seus alvos diretamente segundo Kiev, e 40 mísseis, 16 dos quais não foram interceptados no relato da Força Aérea de Volodimir Zelenski. O presidente ucraniano disse, previsivelmente, que a ação russa foi uma agressão que precisa de resposta da Otan.

Ao menos 17 cidades foram atingidas, com foco em Lviv, perto da fronteira polonesa. A ação começou por volta das 23h30 de terça (18h30 em Brasília) e acabou só às 6h30 desta manhã (1h30 em Brasília).

Pela primeira vez desde que Putin invadiu a Ucrânia, caças da Otan dispararam contra aeronaves não tripuladas russas. Além de F-16 poloneses, ao menos um F-35 inicialmente identificado como americano, mas pertencente à Holanda, agiram.

Um avião-tanque holandês operou nos céus do país do Leste Europeu, assim como um modelo de espionagem italiano. A Alemanha disse que baterias antiaéreas Patriot postadas no vizinho ajudaram a identificar os alvos com seus radares.

Quatro importantes aeroportos do país, inclusive os dois da capital, Varsóvia, foram fechados e os voos só começaram a ser retomados pela manh㠗com os previsíveis relatos de atrasos.

Restos de drones abatidos já foram encontrados em sete regiões, assim como destroços de um míssil não identificado, que o Exército polonês disse poder ser modelo de defesa ucraniano. Em Rzészow, moradores filmaram um incêndio, enquanto um drone Gerânio-2, baseado no iraniano Shahed-136, foi achado num campo a 300 km da fronteira, em Mniszków.

“O fato é que esses drones, que apresentaram uma ameaça de segurança, foram derrubados muda a situação política”, disse Tusk. A consulta pelo artigo 4 da Otan só ocorreu sete vezes desde 1949, quando a aliança liderada pelos EUA para conter Moscou foi criada, a mais recente no início da atual guerra.

A situação ainda pode piorar antes de melhorar. Tusk disse que a incursão russa, mesmo não sendo um ato de guerra, ocorre no contexto do exercício militar quadrianual Zapad (Ocidente), que Moscou promove com a aliada Belarus, junto às suas fronteiras, a partir da sexta (12).

Previsto para durar cinco dias, o Zapad sempre causou temores na Otan. Ele já mobilizou dezenas de milhares de soldados, mas neste ano deve ficar entre 6.000 e 13 mil, devido aos recursos destinados à guerra de fato. Mas, segundo Belarus, ele vai treinar ataques nucleares táticos.

Varsóvia já havia, antes dos drones, anunciado o fechamento de suas fronteiras até o fim da manobra. O país é o que mais investe, em proporção do PIB, em defesa entre os membros da Otan —4,12% em 2024, acima da meta de 2% que será de 5% em dez anos.