PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Sébastien Lecornu tomou posse às 12h de Paris (7h de Brasília) desta quarta (10) como novo primeiro-ministro da França, já com a missão de reprimir um movimento de protesto que ameaça paralisar o país.

Surgido de forma descentralizada nas redes sociais, o Bloquons Tout (“Vamos bloquear tudo”) já havia motivado mais de 200 prisões pela manhã. Manifestantes instalaram barricadas em algumas estradas e na entrada de pelo menos 150 escolas.

Lecornu fez um discurso brevíssimo no pátio de Matignon, o palácio do chefe de governo. Não fez referência direta aos protestos. Disse, porém, que “vai ser preciso haver rupturas, não só na forma, mas no conteúdo” para a solução da crise política e social. Anunciou que vai iniciar imediatamente conversas com os partidos.

Nas principais avenidas de Paris, lojistas instalaram tapumes nas vitrines, escaldados pelos saques ocorridos em manifestações semelhantes nos últimos anos —sobretudo o chamado movimento dos “coletes amarelos”, no final de 2018 e início de 2019.

O ministro demissionário do Interior, Bruno Retailleau, anunciou a mobilização de 80 mil policiais e soldados para impedir quebra-quebra. Ele acusou a ultraesquerda de instrumentalizar o Bloquons Tout para fins eleitorais.

O objetivo do movimento seria combater a política de austeridade do primeiro-ministro François Bayrou, derrubado na segunda-feira (8) ao perder a votação de uma moção de confiança na Assembleia Nacional.

A demissão de Bayrou não levou ao cancelamento das manifestações, pois a percepção é que Lecornu dará continuidade à política do gabinete afastado. Um dos políticos mais próximos do presidente Emmanuel Macron, Lecornu, 39, era o ministro dos Exércitos (equivalente a ministro da Defesa) de Bayrou.

A escolha de Macron foi duramente criticada pela oposição. Para Marine Le Pen, a líder da Reunião Nacional (RN), de ultradireita, Lecornu “é o último cartucho do macronismo”. Jean-Luc Mélenchon, chefe da França Insubmissa (LFI), de ultraesquerda, qualificou de “triste comédia” a troca constante de primeiros-ministros. Ambos defendem a renúncia do presidente.

Considerado bom negociador, Lecornu só deve anunciar seu ministério depois de conversar com os partidos. Ele assume com a difícil tarefa de formar uma maioria em um Parlamento polarizado e aprovar um orçamento austero para 2026, missão em que Bayrou fracassou.

Nas horas que antecederam a indicação de Lecornu, a imprensa francesa enfatizou uma qualidade supostamente decisiva do novo premiê, aos olhos de Macron: não ter ambições presidenciais para a eleição de 2027. Mesmo impedido pela Constituição de concorrer a um terceiro mandato, Macron não queria um primeiro-ministro que usasse o cargo como trampolim político.

Em 2005, aos 19 anos, Lecornu foi o assistente parlamentar mais jovem da Assembleia Nacional. Em 2014, foi eleito prefeito de Vernon, pequena cidade de 25 mil habitantes na Normandia, no norte da França, pela UMP (União por um Movimento Popular), na época o principal partido de direita.

Na eleição presidencial de 2017, abandonou o candidato da direita, François Fillon, para aderir à campanha centrista de Macron. Tornou-se um dos aliados mais fiéis do atual presidente. Em 2019, ganhou pontos junto a Macron quando propôs um “grande debate nacional”, ajudando a debelar a crise dos “coletes amarelos”, movimento de protesto contra um aumento dos combustíveis que paralisou a França durante meses.

O Bloquons Tout surgiu de forma descentralizada nas redes sociais e foi encampado pela ultraesquerda. Curiosamente, nasceu como reação à política de austeridade orçamentária proposta por Bayrou, e agora vai acontecer com o novo primeiro-ministro nomeado.

Um incidente de intolerância religiosa contribuiu para aumentar a tensão social na véspera da paralisação nacional. Pelo menos nove cabeças de porco foram encontradas na manhã desta terça em frente a mesquitas de Paris e arredores. Em cinco delas o nome “Macron” estava escrito com tinta azul.

Embora o presidente e o ministro demissionário do Interior, Bruno Retailleau, tenham condenado o aparente ato islamofóbico, Mélenchon, da ultraesquerda, acusou Retailleau de estimular atos contra a comunidade muçulmana.