SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em entrevista por videoconferência, Gilson Rodrigues passeia com o celular pelo pavilhão do G10 Favelas, em Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Ele mostra com orgulho a cozinha agitada e a fila de pessoas esperando pela quentinha de graça.

A cena, que ganhou espaço nos jornais há cinco anos durante a pandemia, quando ele recebeu a alcunha de “prefeito de Paraisópolis”, agora se repete, em menor escala.

De volta à sala, ele exibe a parede com diversas capas de revistas e reconhecimentos, como o destaque no Prêmio Empreendedor Social em Resposta à Covid-19, em 2020.

O baiano de 41 anos prepara-se para um novo momento profissional, como fundador da Academia da Prosperidade e da Vida. Ele conta que desistiu de abrir escritório na Faria Lima, polo financeiro da capital paulista, onde expandiria os negócios da startup de entregas Favela Brasil Xpress e do banco comunitário G10 Bank.

“Mudei de ideia de ir para a Faria Lima depois dessa confusão com o PCC. Não vou virar um faria limer. A ideia era alavancar os negócios, mas não quero cair em um processo de violência”, diz ele, instalado no AYA Hub, espaço de inovação socioambiental, nas proximidades da avenida Paulista.

Nesta terça-feira (9), Rodrigues faz o pré-lançamento do livro “O Filho da Mudança – O Improvável que se Tornou Inevitável” (184 págs, Literare Books), no qual resgata sua trajetória desde Itambé, no interior da Bahia, até fazer história na favela centenária na capital paulista.

“O menino destinado a não ‘virar gente’ tornou-se um líder, um exemplo de amor ao próximo, e nunca de vingança pelo que sofreu na infância e adolescência”, escreve Judith Brito, superintendente da Folha, no prefácio da obra.

A seguir, Gilson Rodrigues conta como se tornou “desejado” por executivos e qual o valor que irá cobrar para mentorá-los, além de explicar como vai funcionar a academia focada em ensinar a metodologia de superação da pobreza e desenvolver novos negócios. “São empresas que merecem crescer pelo Brasil e serem os primeiros unicórnios da favela”, diz ele.

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PERGUNTA – Por que desistiu de ter escritório na av. Faria Lima?

GILSON RODRIGUES – Eu mudei de ideia depois dessa confusão com o PCC. Não vou virar um “faria limer” [risos]. A proposta era alavancar os negócios, mas não quero cair em um processo de violência.

Ao longo da minha jornada é comum ter que justificar de onde veio o dinheiro do G10 Bank ou se a Brasil Xpress faz acordos para entrar nas comunidades. Queremos provar que dá para ser íntegro, fazer o bem e prosperar. A Faria Lima viveu o que a favela vive: foi cancelada.

P – Vai continuar em Paraisópolis?

GR – Deixei a presidência do G10 Favelas, que engloba mais de 400 favelas, mas não deixei Paraisópolis. As operações que acontecem aqui estão sob minha liderança. Paraisópolis vai fazer 104 anos no dia 16 de setembro. São 104 anos sendo favela. Às vezes nós estamos aqui gritando, achando que estão nos ouvindo, a gente se sente importante, mas já faz algum tempo que não nos ouvem. Temos uma fila de pessoas que ainda precisam se alimentar.

Nesse último ano foi feita uma campanha contra Paraisópolis, associando a comunidade a diversas ações policiais, com situações de violência. Parece que é o lugar mais perigoso do Brasil. Vai chegar a hora em que Paraisópolis vai se transformar em bairro, com participação do poder público ou não.

P – E qual é o seu legado para a favela que catapultou sua figura para fora dela?

GR – Vai fazer 2.000 dias que iniciamos a operação contra a Covid-19 e muitos projetos seguem até hoje. Mas, para além disso, o que construímos aqui nos últimos anos foi uma espécie de Vale do Silício da favela, com soluções que servem para bairros e cidades.

Vamos abrir uma operação de venda do banco e, possivelmente, da startup de logística, para investir na Academia da Prosperidade e da Vida e em outros negócios. A Brasil Xpress foi avaliada em R$ 13 milhões e o G10 Bank provavelmente está acima disso. São empresas que merecem crescer pelo Brasil e serem os primeiros unicórnios da favela.

P – Mas quando entendeu que as pessoas reconheciam esses feitos como sucesso?

GR – Eu já estava participando de palestras, convenções e reuniões de conselho de grandes empresas. Muitas pessoas me pediam mentoria, até alguns bilionários vinham atrás de orientação.

Hoje estou doce, né? As pessoas me desejam. Mas sou filho de uma baiana surda-muda, vivia em cima de um córrego, fui predestinado a dar errado, a ser marginal. A sociedade me treinou para ser contra a mídia, contra o Morumbi, contra o papa. Eu era um jovem que queria transformar minha favela em um bairro, virei liderança comunitária, fui chamado de “prefeito de Paraisópolis”, fui capa de jornal e hoje sou empresário.

Ao longo da minha jornada, CEOs queriam ensinar como fazer. Nunca fui deslumbrado nem me submeti por um prato de comida ou passeio de lancha. E, quando eu estou em lugares chiques, sei o que eu estou fazendo ali.

A minha história é de alguém que é da favela, mas que já esteve em 17 países. Esse roteiro de vida vira experiência para contar a executivos, empreendedores e outros interessados. Se antes nós éramos considerados improváveis, agora somos inevitáveis.

P – Você será coach?

GR – Prefiro dizer mentor.

P – Como é essa metodologia de superação da pobreza da Academia da Prosperidade e Vida?

GR – Teremos cursos, palestras e imersões para ajudar as pessoas a prosperarem. Estamos nos inspirando em espiritualidade e física quântica, nas teorias de John Nash e de George Peterson.

A metodologia passa pelo conhecimento de si próprio e estabelece que, primeiro, Deus vive dentro de nós. Trago Jesus para este trabalho. Depois, criamos um processo em que você é seu herói e não busca culpados, busca soluções. Quanto mais ajuda e trabalha, mais está equilibrado, mais você vai prosperar.

P – Qual será o valor para ser mentorado pelo senhor?

GR – A imersão coletiva deve custar por volta de R$ 25 mil. E a mentoria particular R$ 100 mil pelo período de três meses.

P – Como o livro autobiográfico ajuda a te posicionar como esse empresário de sucesso?

GR – Foi bem difícil escrever o livro. Tem muita coisa que não contei. Quando minha mãe morreu, busquei casos de sucesso de quem vivia na favela, mas só encontrei histórias de violência ou exceções, como Neymar ou MC Daniel. A gente sonha em ser jogador e MC, mas quando descobre que não vai ser, que eles são um em um milhão, é tarde. E aí não estudamos, não nos preparamos para ser outras coisas.

Por isso queremos instalar bibliotecas em favelas do Brasil inteiro, apelidadas de bibliotecas de Alexandria, para que as pessoas tenham acesso gratuito ao conhecimento.

E, por último, o livro também é uma homenagem à minha família. Nunca tive a oportunidade de falar para a minha mãe que eu estou aqui, que estou “dando certo” [emociona-se]. O livro é uma maneira de dizer isso a ela, mesmo que a gente esteja em planos diferentes.

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RAIO-X

Gilson Rodrigues, 41, é fundador do G10 Favelas e do G10 Bank. Foi líder comunitário da favela de Paraisópolis e destaque no Prêmio Empreendedor Social 2020 com a iniciativa Comitê das Favelas.

O FILHO DA MUDANÇA – O IMPROVÁVEL QUE SE TORNOU INEVITÁVEL

Preço R$ 79,90 (184 págs)

Autoria Gilson Rodrigues

Editora Literare Books International