BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) está a um voto de ter maioria para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado e outros sete réus denunciados pela formação de um núcleo central de uma trama para permanecer no poder após a derrota nas eleições de 2022.

Os ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino votaram nesta terça-feira (9) para condenar os oito réus em julgamento pelos cinco crimes pelos quais são acusados: abolição do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Dino apontou que pode aplicar penas mais leves aos ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e ao ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem, por entender que houve menor participação dos três.

O ministro Luiz Fux será o próximo a votar, na manhã de quarta (10). Desde já, o ministro já antecipou que irá divergir em relação a Moraes a respeito de preliminares apresentadas pelas defesas dos réus.

Ele falou que divergiria de Moraes em menos de cinco minutos de sessão, em consonância com o que já tem feito nos últimos meses. No recebimento da denúncia, o ministro também foi o único a ser contra a condução do do julgamento pelo STF e também pela Primeira Turma, em vez de o caso ir ao plenário.

Se ele votar pela condenação dos réus por algum dos crimes, estará formada maioria entre os cinco ministros turma. Caso contrário, Cármen Lúcia será a próxima ministra a compor esse quadro. Depois dela, restará votar o ministro Cristiano Zanin.

A sessão desta terça também marcou o reforço de uma frente de ministros do tribunal contra uma anistia aos condenados no processo. Em seu voto, o ministro Flávio Dino afirmou que não cabe perdão para o tipo de crime em análise. Moraes já havia feito diversas sinalizações no mesmo sentido e reforçado essa posição na abertura do julgamento, assim como o ministro Gilmar Mendes, no último domingo (7).

Moraes abriu a votação, como relator do processo, e afirmou não haver dúvidas de que ocorreu uma tentativa de golpe de Estado que culminou nos ataques de 8 de janeiro de 2023. Por cerca de cinco horas, ele enfatizou o entendimento que Bolsonaro foi o líder das articulações para se manter no poder.

Segundo ele, Bolsonaro era o chefe de uma organização criminosa que começou a atuar em 2021. Moraes afirmou que os acusados agiram em “unidade de desígnios”, apontando que o grupo agiu ao longo do tempo com um propósito comum, de prolongar a permanência no poder e evitar a ascensão do governo eleito.

“O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou, sobre o papel do ex-presidente.

A atribuição de posição de liderança, em caso de respaldo pela maioria da Primeira Turma, deve impor a Bolsonaro um agravante, com uma pena maior que os demais réus.

Dino, por sua vez, disse que “não há dúvidas” de que o ex-presidente e o ex-ministro Walter Braga Netto ocuparam posição de destaque na organização criminosa. “[Eles] Tinham domínio de todos os eventos narrados nos autos”, completou.

O advogado Celso Vilardi, que representa Bolsonaro, afirmou que a defesa do ex-presidente vai respeitar a decisão do Supremo, mas que discorda dos ministros. “Discordamos da análise de mérito, mas vamos aguardar o prosseguimento do julgamento.”

Na sessão, Dino deu uma declaração enfática contra a anistia aos condenados, que ganhou tração política no Congresso nas últimas semanas, com o envolvimento de personagens como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O ministro destacou que o Supremo decidiu pela impossibilidade de perdão para crimes contra o Estado Democrático de Direito ao derrubar o indulto concedido por Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira (à época no PTB-RJ).

“Esses tipos penais são insuscetíveis de anistia, de modo inequívoco. Nós tivemos já muitas anistias no Brasil. Certas ou não, não somos um tribunal da história, somos tribunal do direito positivo dos fatos concretos existente. Mas é certo que jamais houve anistia em proveito de quem exercia o poder dominante”, afirmou.

Em sessão anterior, Moraes havia afirmado que a pacificação jamais poderia ser obtida com a impunidade, sinalizando a necessidade de aplicação de pena aos acusados. No domingo, depois que Tarcísio criticou o STF e defendeu a anistia, Gilmar Mendes afirmou que “crimes contra o Estado Democrático de Direito são insuscetíveis de perdão”.

Os três formam uma linha de frente contra uma anistia, que poderia ser considerada inconstitucional pelo Supremo em caso de aprovação. Outros ministros, como o presidente Luís Roberto Barroso, afirmaram publicamente que esta seria uma decisão política, indicando ser contrário a uma interferência do tribunal.

ETAPAS DA TRAMA

Moraes e Dino apontaram que a trama golpista começou com uma campanha para atacar a credibilidade do sistema de votação eletrônica no país.

Moraes indicou o envolvimento das Forças Armadas em uma ação de Bolsonaro para reduzir a confiança nas urnas eletrônicas, e o capítulo final da trama com os ataques à praça dos Três Poderes, que representariam um chamado à intervenção dos militares.

Ele disse identificar provas cabais e técnicas da participação de Bolsonaro em locais de reuniões nas quais se discutiam os planos. O ministro apontou “o conhecimento e a anuência de Jair Bolsonaro sobre o plano de neutralização de autoridades públicas”, em referência à proposta elaborada pelo general Mário Fernandes que envolvia a prisão de Moraes e o assassinato de Lula (PT), então presidente eleito.

“São muitas coincidências inexploradas. Toda a conversação para a implementação da Operação Copa 2022… No primeiro dia, onde o general Mário Fernandes imprimiu […] no Palácio do Planalto e se reuniu com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada”, citou Moraes.

“Não é crível, não é razoável que Mário Fernandes imprimiu e se dirigiu ao Alvorada, onde estava o presidente, ficou 1 hora e 6 minutos e fez barquinho de papel com a impressão verde e amarela. Isso é ridicularizar a inteligência do tribunal”, disse.

Moraes também atribuiu aos réus a prática dos chamados atos executórios, que se diferenciariam de uma mera preparação para o cometimento de um crime. Esses atos incluiriam, por exemplo, ataques às urnas eletrônicas, a atuação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante o segundo turno de 2022 e a manutenção de acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército.

“Tivemos outros vários outros atos executórios até a tentativa de golpe do 8 de Janeiro”, disse.

Moraes e Dino se posicionaram de forma contrária à tese de que o crime de golpe de Estado deveria absorver o de abolição do Estado Democrático de Direito. Ele diz que os dois são tipos penais diferentes e que, portanto, aplicariam-se aos réus as duas penas.

“E se, por hipótese, os já condenados pelo tribunal tivessem invadido somente o Palácio do Planalto? Não foi isso que aconteceu. Era uma incursão sobre o Estado Democrático de Direito -por isso não havia crime-meio e crime-fim, mas sim duas condutas com desvalor que merecem ser mensurados porque não há irrelevantes penais que devem ser sugados por um crime que absorva”, disse Dino.

Ele acompanhou Moraes na decisão de condenar os sete réus, mas apresentou ressalva em relação aos ex-ministros Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira e o ex-diretor da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) Alexandre Ramagem.

Segundo Dino, há menos provas sobre a participação desses três réus nos meses finais do governo Bolsonaro. O ministro defendeu a condenação deles, mas que seja ressalvada a “participação de menor importância” quando for definido o tamanho da pena.