BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta terça-feira (9) que não há dúvidas de que houve uma tentativa de golpe de Estado que culminou nos ataques de 8 de Janeiro e apontou que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) liderou ações para se manter no poder.

Moraes faz há mais de quatro horas a leitura do voto no julgamento do núcleo central da trama golpista após a eleição de 2022, que tem Bolsonaro entre os réus.

Ao iniciar o seu voto sobre as acusações em relação aos oito réus, Moraes afirmou que o STF já reconheceu que houve uma tentativa de golpe e que a discussão nesse julgamento é se os réus participaram de eventuais crimes.

Ele também apontou Bolsonaro como líder de uma organização criminosa que se iniciou em 2021, quando começou a executar uma tentativa de golpe para que Bolsonaro se perpetuasse como presidente da República.

“O líder do grupo criminoso deixa claro, de viva voz, de forma pública, que jamais aceitaria uma derrota nas urnas, uma derrota democrática nas eleições, que jamais cumpriria a vontade popular”, afirmou, sobre o papel do ex-presidente.

O ministro disse que são provas cabais e técnicas da participação de Bolsonaro numa tentativa de golpe a presença do ex-presidente em locais de reuniões nas quais se discutiam a neutralização de autoridades, a impressão de planos nesses mesmos lugares e um áudio do general Mário Fernandes.

Moraes apontou “o conhecimento e a anuência de Jair Bolsonaro sobre o plano de neutralização de autoridades públicas”, em referência à proposta que envolvia a prisão do ministro e o assassinato do então presidente eleito.

“São muitas coincidências inexploradas. Toda a conversação para a implementação da Operação Copa 2022… No primeiro dia, onde o general Mário Fernandes imprimiu […] no Palácio do Planalto e se reuniu com Jair Bolsonaro no Palácio da Alvorada”, citou Moraes.

“Não é crível, não é razoável que Mario Fernandes imprimiu e se dirigiu ao Alvorada, onde estava o presidente, ficou 1 hora e 6 minutos e fez barquinho de papel com a impressão verde e amarela. Isso é ridicularizar a inteligência do tribunal”, disse.

Os atos executórios, segundo ele, foram as ações que se iniciaram ainda em junho de 2021, mais de um ano antes das eleições de 2022, com ataques às urnas eletrônicas e intenção de manutenção do poder pelo grupo de Bolsonaro.

“Não há nenhuma dúvida, em todas essas condenações e mais de 500 acordos de não persecução penal, de que houve tentativa de abolição ao Estado democrático de Direito, de que houve tentativa de golpe, de que houve organização criminosa”, afirmou Moraes, que é o relator do processo.

Moraes afirmou que desde 2021 já havia atos executórios para uma tentativa de golpe, com o objetivo de desacreditar a democracia. Por exemplo, a transmissão feita por Bolsonaro nas redes sociais em julho daquele ano com declarações contra as urnas, assim como a entrevista de 3 de agosto na qual o ex-presidente mostra supostos laudos de que havia fraudes na votação eletrônica.

De acordo com o ministro, eram “atos executórios e já públicos, com graves ameaças à Justiça Eleitoral”, e que esses episódios tinham “graves ameaças e grande divulgação de desinformação”.

Ele citou entre os atos preparatórios da época uma agenda apreendida com o ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) Augusto Heleno. “Não é razoável achar normal um general do Exército, quatro estrelas, ter uma agenda com anotações golpistas”, afirmou Moraes.

Em outro momento, ele fala das anotações do ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem (Agência Brasileira de Inteligência), atual deputado federal pelo PL-RJ e também réu no processo, com questionamentos ao sistema eletrônico de votação.

“Isso não é uma mensagem de um delinquente do PCC para outro, é uma mensagem do diretor da Abin para o então presidente da República”, compara Moraes.

“O réu ramagem confirmou a titularidade do documento em que foi localizado esse arquivo digital, salientando porém que as anotações foram só para ele, particulares, uma espécie de ‘meu querido diário’”, disse ainda o ministro.

Cronologicamente, Moraes citou uma série de eventos que ocorreram desde 2021 e que seriam parte da tentativa de golpe de Estado, como a reunião ministerial e a fala a embaixadores em 2022, na qual Bolsonaro fez ataques e disse mentiras sobre as urnas. Bolsonaro se tornou inelegível por causa deste episódio.

O ministro também falou sobre a atuação da PRF (Polícia Rodoviária Federal) durante o segundo turno de 2022 e dos acampamentos golpistas em frente aos quartéis do Exército.

“Tivemos outros vários outros atos executórios até a tentativa de golpe do 8 de janeiro”, disse Moraes, ao justificar o longo voto, que já chegava às três horas de duração.

“É importante, porque entendo que, nós todos, os brasileiros e as brasileiras, temos que nos preocupar com o dia a dia, com o trabalho e com o estudo, e acabamos nos esquecendo do que aconteceu”, afirmou.

“O Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos porque uma organização criminosa constituída por um grupo político não sabe perder eleições”, acrescentou Moraes.

“Uma organização criminosa constituída por um grupo político liderada por Jair Bolsonaro não sabe que é princípio democrático, republicano, que é a alternância de poder.”

Após seu voto, os demais ministros da Primeira Turma do Supremo também se manifestarão. Pela ordem, ele será sucedido por Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

Moraes marcou a leitura do seu voto com referências frequentes a Dino, que é o ministro na Primeira Turma com visões mais próximas das defendidas por Moraes em relação ao julgamento da trama golpista. Foram ao menos cinco menções.

A expectativa é de que o voto do ministro dure em torno de quatro horas. Além de Bolsonaro, o ministro também irá tratar das acusações que envolvem os outros sete réus do núcleo central da tentativa de golpe após a derrota de Bolsonaro para Lula (PT).

A sessão desta terça irá até as 19h, e depois o julgamento será retomado nesta quarta-feira (10), pela manhã.

Antes de ler o voto, Moraes negou pedidos da defesa para anular o processo por causa das chamadas questões preliminares.

Ele, por exemplo, manteve a delação do tenente-coronel Mauro Cid, cujo acordo é questionado por parte dos advogados, inclusive o de Bolsonaro.

Segundo Moraes, “beira a litigância de má-fé” que as defesas digam que os oito primeiros depoimentos de Cid sejam totalmente contraditórios ou “oito diferentes delações”.

A fala foi feita ao afirmar que não há necessidade de anular a delação por causa do fracionamento dos depoimentos. O ministro disse que foi uma estratégia da Polícia Federal fazer a divisão das audiências em temas, com fatos diversos.

Moraes também votou para validar a sua própria conduta como relator do processo da trama golpista. Ele ainda rebateu o advogado de Augusto Heleno, que contou o número de perguntas feitas pelo magistrado durante os interrogatórios do processo.

O desejo do ministro é que o julgamento seja concluído ainda nesta semana, e que não tenha um ritmo quebrado antes de seu fim. A expectativa dos membros da Primeira Turma é que o voto de Luiz Fux, que tem uma postura de contraponto a Moraes, também seja alongado.

A pedido de Moraes, o presidente da turma, Cristiano Zanin, acrescentou um dia extra de sessões.

Inicialmente, haveria julgamento apenas nesta terça, nesta quarta e na sexta (12). Na semana passada, porém, foi definido que também serão realizadas sessões durante todo o dia de quinta (11).

À exceção da quarta, que terá julgamento apenas pela manhã, as sessões começarão às 9h, com um intervalo, e devem acabar às 19h.

Na semana passada, Moraes e o procurador-geral da República, Paulo Gonet, defenderam punições pela trama golpista.

Em uma declaração inesperada, Moraes quebrou o padrão de iniciar o julgamento com a leitura do relatório, que é um resumo descritivo do processo, e disse que a pacificação do país não pode ser alcançada com impunidade, além de mandar recados contra as tarifas de Donald Trump e as articulações de Eduardo Bolsonaro nos EUA.

“A pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade e desrespeito à Constituição federal. E mais: significa incentivo a novas tentativas de golpe de Estado”, disse.

Moraes afirmou que o tribunal julga o caso sem interferências e que ignora tentativas de obstrução.

“Esse é o papel do Supremo Tribunal Federal: julgar com imparcialidade e aplicar a Justiça a cada um dos casos concretos, independentemente de ameaças ou coações, ignorando pressões internas ou externas”, declarou.

No segundo dia do julgamento, na quarta (3), a defesa de Bolsonaro buscou desvinculá-lo do 8 de Janeiro e do plano de assassinato de autoridades.

Bolsonaro é acusado pela PGR de praticar os crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado, além de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Ele nega ter cometido qualquer irregularidade.

Também são réus no processo Alexandre Ramagem (ex-diretor da Abin), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Augusto Heleno (ex-ministro do GSI); Mauro Cid (ex-chefe da Ajudância de Ordens, que também é delator), Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa) e Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil).