SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vem de um tenro invólucro da vida humana, a placenta, a extração de uma proteína que aponta para dar uma solução para algo que, até agora, a ciência não tinha caminho claro nem nunca tão comemorado: restabelecer a medula espinhal em pessoas que tiveram lesões medulares e perderam movimentos do corpo.

A pesquisadora brasileira Tatiana Coelho de Sampaio, professora doutora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), se aprofundou em silêncio com uma equipe de biólogos, nos últimos 25 anos, sobre a potência reparadora e multiplicadora da proteína laminina, que atua no sistema nervoso.

Os estudos acabaram gerando o atual medicamento polilaminina, uma novidade mundial, apresentada nesta terça-feira (9) pelo laboratório Cristália, como capaz de regenerar a medula em pessoas que tiveram rompimento do órgão em acidentes de diversas naturezas e que levaram a uma paraplegia —paralisa dos membros inferiores— ou tetraplegia —paralisia de membros inferiores e superiores.

Durante a fase experimental do antídoto, que é aplicado diretamente na coluna, pacientes tiveram recuperação total de seus quadros, sem sequelas e retomando uma rotina sem restrições.

Há quase três anos, o laboratório aguarda a autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para fazer o realização do estudo clínico regulatório ampliado do medicamento. O laboratório tem a expectativa que, dentro de um mês, a autorização deve ser feita.

Basicamente, a polilaminina é capaz de estimular neurônios maduros, que não iriam mais se desenvolver, a rejuvenescerem e a criarem novos axônios —fios extremamente finos que transportam os impulsos elétricos pelo corpo.

Na apresentação do fármaco, 2 dos 8 voluntários que passaram pelo procedimento em estudo acadêmico clínico, aprovado pelos órgãos éticos, e que tinham lesões que haviam comprometido movimentos, estavam presentes.

A atleta paralímpica de rugby Hawanna Cruz Ribeiro, 27, ficou tetraplégica em 2017 após uma queda de dez metros de altura. Perdeu os movimentos do pescoço para baixo. Três anos depois, foi submetida como voluntária à aplicação da polilaminina.

“Recuperei entre 60% e 70% do controle do meu tronco. Sinto que a sensibilidade na minha bexiga voltou, mas ainda não sou independente nessa questão. Não tenho nenhuma dúvida das minha melhora”, afirmou.

Já Bruno Drummont de Freitas, 31, lembra de ter o corpo completamente paralisado do pescoço para baixo após um acidente de trânsito. Ele recebeu a polilaminina 24 horas após o trauma.

“Em cinco meses, mais ou menos, eu já estava completamente recuperado. Tenho uma rotina normal, faço esportes e não passo mais por nenhum tipo de tratamento. Tenho consciência do quanto é importante para milhares de pessoas o que estou relatando, mas não tenho dúvidas. Eu me recuperei totalmente e poderia estar tetraplégico.”

Na aplicação em cães que tiveram lesões não provocadas, os resultados também impressionaram os pesquisadores, com a retomada total da marcha naqueles que tiveram o órgão neural rompido. Em ratos de laboratório, os efeitos da aplicação aconteciam em 24 horas.

O medicamento já está sendo produzido na planta de biotecnologia do Cristália, a partir de placenta doada por mulheres saudáveis que são acompanhadas durante toda a gravidez.

“Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Estou muito emocionado. Estamos vivendo um dia histórico para o mundo aqui”, afirmou o médico Ogari Pacheco, fundador e presidente do conselho do Cristalia,

Acidentes, mergulhos, quedas e ferimentos à bala, por exemplo, podem causar um deslocamento ósseo na coluna e promover um esmagamento da medula, que, danificada ou rompida, deixa de conduzir as informações cerebrais para os comandos dos movimentos.

Até então, nenhum método efetivo para que o tecido nervoso fosse renovado havia sido apresentado pela ciência, o que torna o feito como algo extremamente importante para a ciência e para a humanidade, caso todas as formas de comprovação estejam cumpridas, o que ainda não é o caso da Polilaminina.

“A todo momento a gente se pergunta se vai se decepcionar, é uma dúvida. O que me dá segurança é o retorno e a interação com quem está a minha volta e os resultados que estamos vendo. Tento fazer o meu melhor. Sou honesta em mostrar o que está acontecendo”, declarou a pesquisadora Tatiana.

Hospitais de São Paulo, como o Hospital das Clinicas e a Santa Casa, já estão preparados para fazer as aplicações da Polilaminina quando autorizados pela Anvisa. O procedimento, inicialmente, só será realizado em pacientes com diagnóstico de lesão medular recente, depois de três meses, no máximo.

Os estudiosos afirmam que a medicação, comprovadamente, não causa nenhum dano colateral aos pacientes, o que passará por mais testes após a aprovação da Anvisa. Lesões mais antigas também são impactadas com o medicamento, segundo os pesquisadores, mas o resultado depende do comprometimento do paciente com o pós-operatório.

“Não vendemos ilusções, trazemos evidencias. Os resultados não iguais para todos. Mostramos que quando mais rápida a aplicalção, melhor o resultado. Estamos também trabalhando casos crônicos também e estamos avançando. Experimentalmente, temos resultados promissores”, disse Ogari Pacheco.

Especialistas consultados pela reportagem afirmaram que a a iniciativa é extremamente promissora, mas ainda pedem cautela. Os resultados são esperados com melhor desenvoltura para aqueles que tiram traumas recentes.

O processo de patente do medicamento e seu ineditismo mundial já foi instalado, mas pode demorar ainda vários anos para se concretizar. Todas as duplicações dos estudos, em laboratórios fora de onde foi desenvolvida a pesquisa, foram realizados e confirmaram a efetividade do método.

A divulgação do estudo científico está sendo postergada, segundo os envolvidos na pesquisa com a polilaminina, para proteger o ineditismo e o impacto do método.

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ENTENDA AS DIFERENÇAS ENTRE PARAPLEGIA E TETRAPLEGIA

Segundo o médico Hugo Sterman Neto, neurocirurgião do Hospital Vila Nova Star, da Rede D’Or, paresia é o termo usado para descrever fraqueza de braços e pernas. Paraparesia é a incapacidade parcial de movimentar os membros inferiores. Na tetraparesia, atinge os braços e as pernas.

Plegia significa que a fraqueza é total e tem ausência de movimento. Toda paraplegia ou tetraplegia é uma paresia, mas de grau mais intenso, onde há a perda do movimento.

“Quando falamos em paraplegia, significa que há uma lesão na medula espinhal —tecido dentro do canal medular, na coluna, que leva os movimentos para a perna— em um nível até acometer um pouco abaixo do braço. Então, se eu machucar a medula da T2 para baixo, vou ter paraplegia ou paraparesia. Da T2 para cima, posso ter acometimento dos braços e das pernas. É a tetraparesia ou tetraplegia”, diz o especialista.

“Os braços são controlados por movimentos dos nervos que saem entre a quinta vértebra cervical e a primeira vértebra torácica —C5 a T1. Lesões na medula cervical dão a tetraplegia ou tetraparesia; na torácica, ocasionam a paraplegia ou paraparesia”, explica Hugo.

Não são somente os acidentes que causam as duas condições. Há outros fatores como doenças inflamatórias (esclerose múltipla, por exemplo), tumores na medula, fraturas na coluna devido à osteoporose, compressões na medula por causa de envelhecimento e artrose na coluna.

“Essas lesões da medula podem ser de intensidade muito grande, menor ou de forma súbita. Acho que o caso mais emblemático é a fratura ou a luxação da coluna e ter um estrangulamento ou um esmagamento da medula, que leva a lesão”, afirma o neurocirurgião.