SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil não é o único país onde o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tenta interferir no Poder Judiciário para ajudar um aliado ideológico. Nos últimos meses, além de pressionar pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro, Trump saiu em defesa do primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, da líder da ultradireita francesa, Marine Le Pen, e do ex-presidente da Colômbia Alvaro Uribe, todos alvos de processos judiciais. O mandatário americano também defendeu de forma bastante vocal candidatos alinhados ao trumpismo na Polônia e na Romênia.

Trata-se de uma espécie de diplomacia do espelho. O líder americano se identifica com políticos de direita sob investigação. Trump diz que, como ele, são vítimas de uma perseguição liderada por sistemas judiciários aparelhados. O republicano foi condenado em 2024 por falsificar documentos relacionados a um pagamento feito à estrela de filmes pornográficos Stormy Daniels, para garantir o silêncio dela sobre suposto relacionamento com ele.

“Isso (o julgamento de Jair Bolsonaro) é simplesmente um ataque contra um oponente político —algo que eu conheço muito bem! Aconteceu comigo, dez vezes mais”, escreveu Trump quando anunciou as tarifas de 50% sobre produtos brasileiros em julho deste ano.

Referindo-se aos processos judiciais contra Bolsonaro, Netanyahu, e Le Pen, o americano recorre ao termo “caça às bruxas”, o mesmo que usava para questionar sua investigação.

Por enquanto, porém, as pressões de Trump sobre sistemas judiciais e intromissões em processos eleitorais de outros países não têm surtido efeito.

Em junho, quando Netanyahu ia se apresentar a um tribunal israelense para depor, Trump disse que o julgamento deveria ser “cancelado imediatamente”. “É uma INSANIDADE o que os promotores descontrolados estão fazendo com Bibi Netanyahu.”

O presidente americano também insinuou que poderia cortar a ajuda militar dos EUA a Israel. “Os Estados Unidos da América gastam bilhões de dólares por ano, muito mais do que com qualquer outra nação, protegendo e apoiando Israel. Nós não vamos tolerar isso.”

No dia seguinte às advertências de Trump, um tribunal de Jerusalém negou o pedido de Netanyahu para adiar seu depoimento. Indiciado em 2019, acusado de suborno, fraude e quebra de confiança, o premiê israelense nega as acusações. O julgamento será retomado nesta semana, com depoimento de Netanyahu.

Trump também usou sua diplomacia do espelho com a política francesa Marine Le Pen. Em abril, ela foi condenada por desviar recursos da União Europeia e ficou impedida de concorrer nas eleições presidenciais de 2027.

“A caça às bruxas contra Marine Le Pen é mais um exemplo de esquerdistas europeus usando a guerra jurídica (lawfare) para silenciar a liberdade de expressão e censurar oponentes políticos”, disse Trump. “É o mesmo ‘manual’ que foi usado contra mim por um grupo de lunáticos e derrotados”, escreveu.

Em relação ao julgamento de Alvaro Uribe na Colômbia, Trump não se manifestou pessoalmente, mas seu secretário de Estado, Marco Rubio, atacou o sistema judiciário local após a condenação do líder de direita. No início de agosto, um tribunal de Bogotá determinou a Uribe pena de 12 anos de prisão domiciliar, por corrupção passiva de testemunhas e fraude processual. Em 20 de agosto, Uribe beneficiou-se de uma decisão liminar e vai recorrer em liberdade.

Também na seara eleitoral os resultados da diplomacia trumpista têm sido frustrantes, com exceção do candidato conservador à Presidência da Polônia, Karol Nawrocki, que venceu o pleito. Ele foi recebido por Trump na Casa Branca durante a campanha e já como presidente. Já no Canadá e na Austrália, candidatos alinhados ao trumpismo eram favoritos, mas acabaram perdendo para centristas. O Partido Liberal canadense se recuperou nas pesquisas após Trump lançar sua guerra comercial contra Ottawa e ameaçar anexar o país. Mark Carney se tornou primeiro-ministro. Na Austrália, o candidato “MAGA” Peter Dutton foi derrotado, e o Partido Trabalhista conquistou a maioria.

Na Romênia, o candidato presidencial centrista Nicusor Dan derrotou, em maio, o candidato alinhado ao trumpismo, o radical George Simion, que era favorito. Simion contestou o resultado na Justiça, que rejeitou o recurso.

Na visão do governo brasileiro, a pressão de Trump para influenciar o julgamento de Bolsonaro faz parte de uma estratégia mais ampla de tentar emplacar um candidato alinhado ao trumpismo no Brasil no ano que vem. Para um integrante do Planalto, a interferência americana deve continuar até o primeiro ou segundo turno das eleições de 2026.

Em caso de derrota do candidato apoiado por Trump no pleito presidencial, acredita o Planalto, a Casa Branca pode lançar uma campanha para deslegitimar o resultado das urnas, como fez Trump em 2020 nos EUA e Bolsonaro no Brasil em 2022.