BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em delicada situação financeira, os Correios veem risco de faltar dinheiro em caixa para pagar salários e outras despesas básicas da empresa até o fim de 2025. Nessa situação, a companhia precisaria pedir recursos ao Tesouro Nacional para cobrir suas obrigações, o que caracterizaria uma situação de dependência.

O quadro seria dramático para a União, já que as despesas de empresas dependentes precisam ser computadas dentro do Orçamento Federal. Em outras palavras, o governo teria de acomodar cerca de R$ 20 bilhões em gastos da empresa estatal dentro das regras fiscais, mediante cortes em políticas públicas.

Em algumas simulações, compartilhadas com a equipe econômica do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a companhia pode ter problemas de caixa já no mês que vem.

Para evitar a situação de dependência, a empresa tem apontado a necessidade de um aporte de recursos da União. O repasse também teria impacto nas contas públicas e ficaria sob o limite de gastos, mas os valores envolvidos seriam menores —até R$ 5 bilhões, em simulações preliminares, ou até R$ 8,7 bilhões para cobrir todo o patrimônio líquido negativo da companhia.

Até agora, no entanto, autoridades do Poder Executivo evitam admitir essa possibilidade. Em junho, quando os Correios deram o primeiro alerta de que poderiam precisar de uma injeção de recursos para evitar um furo no caixa, a equipe econômica sinalizou que não havia qualquer espaço no Orçamento para atender ao pedido.

Técnicos do governo, porém, reconhecem sob reserva que a situação financeira da companhia é um “beco sem saída”. Ainda que os Correios adotem medidas de contenção de despesas e busquem novas fontes de receitas, os resultados são lentos em comparação à velocidade de deterioração das finanças da empresa. Por isso, o aporte é tido por esses interlocutores como algo incontornável.

Procurados, os Correios disseram, em nota, que os salários de seus empregados estão garantidos, bem como as “ações de contingência nas áreas operacional e administrativa”, adotadas para assegurar a continuidade das operações.

“Essas ações estão alinhadas às medidas focadas na redução de despesas, modernização e ampliação da receita, com o objetivo de fortalecer o fluxo de caixa dos Correios”, afirmou. A companhia não respondeu se vai pedir um aporte de recursos ao Tesouro Nacional.

O Tesouro disse que pedidos de capitalização e aportes de capital são feitos pelas estatais aos seus ministérios supervisores —no caso dos Correios, o Ministério das Comunicações.

Procurada, a pasta disse que os Correios “possuem autonomia administrativa e financeira para gerir suas operações e recursos” e que seu papel é o de “supervisão institucional”. O ministério não fez comentários sobre a situação financeira da empresa.

Na semana passada, porém, o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, disse a jornalistas que não vislumbrava um aporte nos Correios. “A gente precisa ter outra alternativa, em comum acordo com os demais entes do governo”, afirmou.

O Ministério da Gestão e Inovação, que abriga a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais, não respondeu. A Casa Civil também não se manifestou.

No primeiro semestre de 2025, os Correios tiveram um rombo de R$ 4,37 bilhões, o triplo do prejuízo de R$ 1,35 bilhão observado em igual período de 2024. O valor foi antecipado pela coluna Painel, da Folha.

Só no segundo trimestre, o resultado foi negativo em R$ 2,64 bilhões, quase cinco vezes o prejuízo verificado em igual período de 2024 (R$ 553,2 milhões). Os resultados têm sido impactados pelo pagamento de sentenças judiciais e pelo acordo feito para equacionar um rombo no Postalis, fundo de pensão da estatal.

A grave situação financeira da estatal foi um dos motivos que levaram o presidente da companhia, Fabiano Silva dos Santos, a entregar sua carta de demissão no dia 4 de julho. Dois meses depois, no entanto, a saída ainda não foi formalizada, pois o governo não tem um substituto para o posto.

O cargo é alvo da cobiça de grupos políticos, como representantes do União Brasil e do próprio PT, a despeito dos desafios financeiros enfrentados pela empresa. No entanto, há quem acredite que a sucessão só será definida mediante garantia de socorro do governo.

Os Correios atribuem a deterioração financeira à implementação do Remessa Conforme, o programa da Receita Federal que facilita o desembaraço aduaneiro de mercadorias importadas via empresas de comércio eletrônico.

O governo passou a arrecadar mais com a chamada “taxa das blusinhas” ao extinguir a isenção sobre mercadorias de até US$ 50 adquiridas por pessoas físicas. Para os Correios, porém, o saldo foi a perda repentina de receitas, uma vez que a empresa deixou de ser a porta de entrada de pequenas encomendas.

Para tentar ajustar as contas, a companhia começou a vender imóveis e criou um PDV (programa de demissão voluntária), que teve a adesão de cerca de 3.500 funcionários e pode economizar cerca de R$ 1 bilhão em 2026, conforme cálculos internos. A empresa também tenta diversificar receitas, com o lançamento de um marketplace, a assinatura de contratos para transporte de suprimentos das redes estaduais de educação e parcerias com outras empresas do setor de logística.

Mesmo assim, os Correios queimaram boa parte do seu caixa para honrar obrigações e têm recorrido a empréstimos para ganhar fôlego no curto prazo.

Em junho, a companhia tomou R$ 1,8 bilhão de três instituições: Citibank, BTG Pactual e ABC Brasil. A operação ajudou a melhorar o caixa da empresa, mas há preocupação com o pagamento dessa obrigação, que vence num futuro próximo. Embora o contrato ainda esteja em fase de carência, a negociação prevê a quitação do valor em seis parcelas mensais a partir de julho de 2026.

Hoje, a empresa não tem conseguido nem sequer manter em dia as obrigações com fornecedores. Estimativas internas apontam um passivo de cerca de R$ 600 milhões em faturas em atraso. Na prática, a companhia tem, deliberadamente, atrasado pagamentos para preservar seu caixa, como medida de contingência.

O problema é que essa estratégia está chegando a seu limite. Além disso, a empresa está sob pressão de seus empregados por reajustes salariais. A companhia, porém, não vê espaço para atender ao pedido e tenta debelar o risco de uma greve, que derrubaria ainda mais suas receitas.

Outro agravante é a possibilidade cada vez mais remota de obter outro empréstimo, desta vez com o NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como Banco do Brics. Os Correios negociam um contrato de R$ 4 bilhões em cinco anos para bancar seu projeto de modernização.

Por ser uma operação externa, ela precisa ter garantia formal da União, o que só acontecerá se a empresa comprovar indicadores financeiros sólidos para obter a nota de Capag (capacidade de pagamento) necessária para o aval. Hoje, isso é considerado improvável. Eventual frustração nas negociações do contrato com o NDB tende a precipitar o pedido de aporte.