SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A engenheira de produção Priscila Santiago, 27, já esteve em dois relacionamentos duradouros desde seus 20 anos, mas agora prefere evitar se envolver profundamente com alguém. Conversas sobre o chamado “medo de compromisso” são comuns nos consultórios, dizem especialistas. E o problema é abordado tanto pelas próprias pessoas que estão evitando algo mais sério como por aqueles que se acabaram se apegando a alguém com essas restrições sentimentais.
No caso de Priscila, o medo de um novo compromisso é causado principalmente por traumas que relações passadas deixaram. “Meus relacionamentos não foram muito bons no geral”, conta. “Aí eu tenho receio de entrar em um namoro tóxico de novo, porque você acha que conhece a pessoa, mas ela vai mostrando outra coisa, e às vezes você está tão envolvida que não percebe.”
A psicóloga Vanessa Amorim diz que evitar se envolver para não repetir padrões do passado é um dos aspectos mais comuns, principalmente para evitar o sofrimento. Segundo ela, isso é um reflexo de algo latente na sociedade atual, que é a intolerância à frustração e ao sofrimento. O problema, diz, é que relações sem profundidade ficam cada vez mais frequentes.
Priscila observa isso nas suas tentativas de conhecer novas pessoas. “É muito difícil hoje em dia, as pessoas não estão dispostas e são mais intolerantes. Está todo mundo preocupado com si mesmo, e uma relação precisa de duas pessoas, né?”
Para a psicanalista Carol Tilkian, a sociedade vive uma meta crise de ansiedade estrutural devido aos diversos eventos trágicos que estamos vivenciando em sequência, como a pandemia, guerras e a crise climática.
“Você está num mundo que efetivamente traz mais perigos. Isso faz com que você esteja mais alerta”, diz a psicanalista. “Somado a isso, a gente vê mais histórias de amores que não deram certo.”
Além da falta de confiança geral que se instala, a psicanalista acrescenta que tem um fatalismo muito presente nos discursos de hoje, de forma estrutural e social, o que está relacionado a esses traumas de relacionamentos passados. Para Tilkian, essa dor do passado é projetada no futuro, e a pessoa começa a deduzir que a outra vai abandoná-la, traí-la e magoá-la antes mesmo de permitir se envolver.
Isso faz com que as pessoas acabem culpando as outras por uma escolha que é delas próprias, afirma, e não acatando suas próprias responsabilidades. “E responsabilidade é muito diferente de culpa. É um movimento mais ativo mesmo, que faz a gente encarar perguntas que são difíceis de responder e encarar as nossas próprias incoerências.”
Você pode estar se perguntando: “poxa, eu não quero estar em um relacionamento, será que estou com medo do compromisso?” Para Stefanie Stahl, autora do livro “Construindo relacionamentos saudáveis: como encontrar o equilíbrio entre entrega, liberdade e segurança”, da Editora Sextante, a resposta está em saber o limite entre a liberdade e a evitação.
Para ela, se você se sente genuinamente em paz estando solteiro, isso geralmente vem de um senso fundamentado de autoestima, uma escolha livre e consciência. O medo de compromisso, no entanto, frequentemente carrega uma tensão interna: desculpas, racionalizações ou um padrão de afastamento assim que a intimidade se aprofunda.
Stahl diz que há pessoas que acreditam que simplesmente não querem um relacionamento, quando na verdade estão com medo. “O paradoxo é que eles estão convencidos de que estão fazendo uma escolha, quando na realidade a escolha já está sendo feita por eles por medos antigos.”
A consequência, dizem as especialistas, é uma sociedade afundada na solidão, que busca soluções rápidas e fugas que dão a sensação de anestesia para esse sentimento. E isso, segundo elas, se manifesta de diversas formas: aumento excessivo de trabalho, vício em redes sociais, pessoas “conversando” com inteligência artificial, busca por endorfina em exercícios físicos, e outras formas de promover uma felicidade instantânea.
Stahl diz acreditar que o caminho para que haja um equilíbrio maior nas relações é a conscientização e a busca pela cura das feridas passadas, em vez da evitação. Amorim completa dizendo que o autoconhecimento é a peça fundamental para saber o que você quer ou não quer para a sua vida.
“Porque se eu não sei o que eu quero e o que eu não quero, eu tolero qualquer coisa. E é aí que as ‘melecas’ acontecem em todas as esferas”, observa.