BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O número de juízes e desembargadores demitidos no Brasil entre 2006 e 2025 representou apenas 1% do total de punições aplicadas a magistrados, segundo levantamento feito pela Folha com dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e de 15 tribunais estaduais.

Os dados mostram que apenas sete juízes e desembargadores foram demitidos do Judiciário desde 2006.

A demissão, penalidade máxima prevista para magistrados em caso de falta grave, tem sido substituída pela aposentadoria compulsória, em que o juiz tem direito a receber vencimentos proporcionais ao tempo de trabalho.

Entre 2006 e 2025, ao menos 203 juízes foram punidos com a aposentadoria compulsória. Mesmo após envolvimento em crimes graves, como venda de sentenças, essa penalidade tem sido mais usada do que a demissão, que não dá direito ao recebimento de salário.

O baixo índice de desligamentos ocorre porque magistrados só podem ser demitidos após sentença judicial transitada em julgado, ou seja, quando não cabem mais recursos. Já a aposentadoria compulsória pode ser aplicada após um PAD (processo administrativo disciplinar), que ocorre no âmbito de cada tribunal ou pelo CNJ.

Neste ano, o juiz Peter Eckschmiedt, do TJSP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), foi punido com a aposentadoria compulsória após ser acusado de venda de sentenças. A corregedoria do TJ descobriu as execuções judiciais fraudulentas e, com isso, afastou o magistrado em maio.

Mesmo depois da punição, Eckschmiedt recebeu, em junho e julho, R$ 90 mil por mês, segundo dados do CNJ.

Procurados, o TJSP e o escritório de advocacia que representa o magistrado não responderam aos questionamentos da reportagem.

A aposentadoria compulsória corresponde a 31% das penalidades aplicadas contra magistrados desde 2006. A maior parte das punições (67%) são mais brandas. Entre elas, a advertência e a censura, quando o juiz não pode figurar na lista de promoção por merecimento durante um ano.

A punição mais severa para magistrados é mais rara do que com os demais servidores do Judiciário, que podem ser demitidos pelo PAD (processo administrativo disciplinar). No entanto, o índice de demissões também é reduzido nessa categoria.

Em quase 20 anos, apenas 0,03% de servidores do Judiciário foram demitidos, um total de 741. Desde 2013, menos de 30 desses servidores estaduais são demitidos por ano. Os desligamentos ocorrem em casos graves, como improbidade administrativa e abandono de cargo. Não há dispensa por baixo desempenho.

Os dados de demissões de servidores foram obtidos via LAI (lei de acesso à informação) com 17 tribunais estaduais. No caso das penalidades aos magistrados, o CNJ e 15 cortes estaduais enviaram as informações solicitadas, incluindo São Paulo e do Rio de Janeiro, dois dos maiores do país. Os tribunais de Minas Gerais e da Bahia, que também tem um número amplo de juízes e desembargadores, não enviaram dados.

As punições a magistrados estão sendo debatidas no âmbito da reforma administrativa, que vai discutir temas relacionados ao serviço público no Congresso Nacional. Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara dos Deputados, já disse que a reforma será a prioridade do segundo semestre.

Relator do grupo de trabalho sobre o tema, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ) afirmou que o texto da reforma trará o fim da aposentadoria compulsória. A ideia é substituir essa penalidade pela demissão via PAD no CNJ, o que eliminaria a necessidade de ter uma sentença transitada em julgado para que o juiz seja dispensado definitivamente, sem direito a salário.

De acordo com Cibele Franzese, professora de administração pública da FGV (Fundação Getulio Vargas), a aposentadoria compulsória surgiu como resultado da vitaliciedade, que é a estabilidade a qual os juízes têm direito. Essa vitaliciedade é, segundo a professora, uma garantia para a sociedade, já que permite que o magistrado possa julgar de maneira imparcial sem receio de perder o cargo.

Ela diz que, no entanto, a aposentadoria compulsória não deveria se tornar a penalidade máxima para um juiz, que também precisa ser punido após a sentença transitada em julgado. Mas, na prática, são raras as demissões de magistrados.

“O que era para ser uma garantia à sociedade acaba sendo um privilégio desse membro de poder. Ele deveria ser afastado para responder pela conduta que teve, mas o que acontece é que a aposentadoria confessória acaba sendo vista como a própria pena, o que não deveria ser”, afirma.

Já Fernando Fontainha, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), avalia que eliminar a aposentadoria compulsória não deveria ser uma solução.

Segundo o professor, permitir uma diversidade de penas é uma maneira de dosar a proporcionalidade. Ele afirma que, além disso, a categoria encontraria outras formas de manter punições mais brandas, caso essa medida avance.

“Se a proposta é tirar uma modulação de pena, ela é ruim e impõe um recrudescimento desnecessário, porque não vai mudar a cultura. É grande a chance de as corporações darem seis meses [de licença] com salário”, diz. “Acho que poderia imaginar outras gradações. Por exemplo, a aposentadoria compulsória com metade dos vencimentos proporcionais, que causaria mais medo na corporação.”