SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A melhor forma de combater desvios de verbas em prefeituras seria uma combinação de políticas de fiscalização (como auditorias por sorteio), tornar as penas para corrupção mais claras e rígidas, aumentar o salário dos prefeitos e permitir um terceiro mandato consecutivo, segundo pesquisa publicada na edição de agosto de uma das mais prestigiosas revistas de divulgação econômica do mundo, o Journal of Political Economy, da Universidade de Chicago.

Os autores, Frederico Finan e Maurizio Mazzocco, da Universidade da California em Berkeley e em Los Angeles, respectivamente, estudaram os fatores que explicam os desvios de verba em prefeituras e propuseram pacotes de políticas públicas que, se combinadas, aumentam a eficácia umas das outras.

O estudo, revisado por outros economistas, usa bases de dados do Brasil.

O artigo “Combating Corruption with Policy Bundles” (Combatendo a corrupção com um pacote de políticas) não esmiúça o caso brasileiro gratuitamente: aqui há condições que favorecem o estudo.

Eles citam três fatores que fazem com que o Brasil seja o lugar ideal para pesquisar o tema: as transferências do Fundo de Participação dos Municípios, que as prefeituras recebem do governo federal; em segundo, a possibilidade de reeleição, que cria incentivos para que o prefeito seja menos corrupto e, por fim, uma política que existe desde 2003: o sorteio de auditorias da CGU (Controladoria-Geral da União).

De acordo com o estudo, a CGU sorteia cerca de 16,8% das prefeituras de cidades de até 450 mil habitantes. Isso cria uma condição que os econometristas precisam para seus estudos: há aleatoriedade e heterogeneidade entre os casos analisados.

A CGU envia auditores por um período de uma a duas semanas para as cidades sorteadas. Os servidores federais se debruçam sobre as contas públicas municipais, vistoriam obras e locais e também entrevistam pessoas para entender como os serviços estão sendo prestados.

As auditorias por amostragem apontam que há indícios de desvios em 73% das gestões e que 8,6% das verbas recebidas governo federal não são aplicadas nos programas aos quais foram destinadas.

PRIMEIRO E SEGUNDO MANDATO

Os pesquisadores compararam os desvios de verbas do Fundo de Participação dos Municípios entre gestões de prefeitos que estão no primeiro mandato com os que estão no segundo.

Há menos desvios entre prefeitos de primeiro mandato (71% contra 76%). O montante desviado é 30% maior nas gestões de mandatários que já se reelegeram.

A conclusão é que a possibilidade de ser reeleito é um incentivo para diminuir os desvios –e o estudo aponta que, de fato, prefeitos de primeiro mandato em cuja gestão houve problemas têm chance 15% menor de serem reeleitos.

A proposta deles, inclusive, é permitir um terceiro mandato. Isso teria um impacto de diminuir a corrupção em 9,7%, de acordo com as simulações do estudo.

“O motivo pelo qual isso ajudaria é que há uma outra força envolvida, que é a seleção. Quanto mais vezes for possível votar para um prefeito, maior é a chance de desclassificar os maus prefeitos”, diz Frederico Finan à reportagem.

A premissa é que eleitores eliminam aqueles que permitiram os desvios. Quanto mais votações, mais isso acontece.

Na simulação de Finan e Mazzocco, o fim da reeleição representaria um aumento de 20,4% de desvios nas prefeituras.

Finan afirma que o estudo tem uma limitação: “Não tínhamos dados para distinguir o efeito da capacidade de produzir boas políticas públicas versus habilidade política para ser reeleito –um político pode vencer porque compra votos, por exemplo”.

Para ele, isso reforça o ponto de que, se os gestores conseguem torpedear o processo político, os mecanismos de responsabilização, como reeleição, não funcionam.

PACOTE DE POLÍTICAS

O que eles mais recomendam é um pacote de incentivos para diminuir a corrupção, como diz o título da publicação (Combatendo a corrupção com um pacote de políticas).

O problema de adotar apenas uma das regras é que elas têm efeitos limitados.

Por exemplo, a Lei Ficha Limpa, que impede políticos condenados de assumir cargos, não tem tanto efeito para prefeitos em segundo mandato (afinal, eles já não seriam eleitos novamente).

Já as auditorias são muito custosas, e, sozinhas, poderiam não valer a pena.

“Um dos pontos bonitos do estudo é a noção de juntar políticas. Quando se faz isso, (uma política) complementa as limitações uma da outra.

Na simulação de juntar as auditorias com aumentar o número de mandatos, por exemplo, haveria um efeito de 34,9% na queda da corrupção.

SALÁRIOS ALTOS E PENAS DURAS

Outras recomendações são aumentar os salários dos prefeitos. Eles dizem que encontraram uma relação entre patrimônio dos prefeitos e desvios na gestão.

Segundo Finan, essa foi uma descoberta que deixou os autores surpresos, porque há muitos casos famosos de corrupção que envolvem pessoas ricas. O economista diz, no entanto, que o objeto de estudo são desvios relativamente pequenos, que não chamam tanto a atenção.

“Frequentemente, quando pensamos em histórias de corrupção, nós nos lembramos de grandes casos, como (Hadji Mohamed) Suharto (ex-presidente da Indonésia), Ferdinando Marcos (ex-presidente das Filipinas), coisas de bilhões de dólares. Os dados que temos são de pequenas cidades, muitas delas em zonas rurais”, diz ele.

De acordo com a estimativa dos economistas, aumentar a renda dos prefeitos diminuiria os desvios em 12,8%.

Por fim, o estudo também mede o que aconteceria com penas mais duras. “No nosso modelo, não haveria mais desvios se os prefeitos tivessem que pagar um montante equivalente a 16 vezes o que eles desviaram. O porquê de os governos não imporem essas penas é uma questão que não está no escopo dessa publicação”, diz o texto.

Finan afirma que é preciso aumentar a esperança estatística da punição. Ele dá um exemplo apenas para fins ilustrativos: “Digamos que a possibilidade de um corrupto ser pego fosse de menos de 1%, mas que a pena fosse perder a vida. Ninguém desviaria dinheiro”.