(UOL/FOLHAPRESS) – Luis Guilherme poderia ter sido um dos convocados por Carlo Ancelotti para os jogos contra Chile e Bolívia. Era ele o goleiro titular nas seleções de base do Brasil da famosa geração 1992 ao lado de Neymar, Philippe Coutinho, Casemiro, Alex Sandro e Dudu. O reserva era Alisson. Os anos se passaram e enquanto os outros tiveram uma carreira de sucesso nos gramados, o ex-goleiro do Botafogo tomou um caminho bem diferente.
Sem disputar uma partida profissional desde 2019, quando defendeu o São Gonçalo, clube que disputava a segunda divisão do estadual do Rio de Janeiro, Luis Guilherme decidiu pendurar as chuteiras. O novo campo passou a ser a psicologia.
Formado em 2017, ele ainda conciliou nos dois últimos anos a nova profissão com a de atleta, dividindo o tempo entre a rotina de treinamentos com a de atendimentos.
O retorno ao futebol não demorou, mas não foi pelo Botafogo ou pela seleção brasileira. Em 2023, ele foi contratado como psicólogo das categorias de base do Fluminense. Aos 33 anos, apesar de longe dos gramados, Luis ainda sonha com a amarelinha e uma Copa do Mundo.
Sempre penso que poderia estar na seleção. Todo mundo que jogou bola sonha com isso. Penso como poderia ter acontecido e como teria sido minha vida como jogador. Mas eu sou grato ao que vivi. nesta segunda-feira (08) trabalho com atletas novos e sei como é difícil essa fase. E nesta segunda-feira (08) também posso sonhar alto de novo. Sonho em ser o psicólogo da seleção brasileira, sonho em ser um professor universitário e escrever um livro. O estudo me abriu muitas portas novamente
LUIS GUILHERME ERA UMA DAS PRINCIPAIS PROMESSAS DA SUA GERAÇÃO
O ex-goleiro e agora psicólogo do Fluminense convocado pela primeira vez como jogador em 2006 para um amistoso da seleção sub-14. Já a última vez foi em 2010 para a sub-19.
No total, foram 77 convocações, com destaque para os títulos do Sul-Americano e Mundial sub-17 em 2009.
Dois problemas pesaram para a trajetória do então goleiro. Uma foi o alto número de lesões. A primeira foi uma fratura de quinto metatarso que o deixou fora dos gramados por quatro meses após o corpo rejeitar o parafuso da cirurgia.
A segunda foi o planejamento do clube. Aos 15 anos de idade, Luiz Guilherme foi promovido ao time profissional mesmo sem poder jogar já que só poderia assinar contrato com o clube no ano seguinte.
“Era engraçado porque chegava com a roupa da escola e ia treinar. Foi um acordo que fiz com a minha mãe. Eu poderia treinar com o time, mas não poderia abandonar os estudos. Os mais velhos brincavam muito, mas também me apoiavam porque eles não tiveram essa mesma chance”, relembrou
A faculdade de psicologia entrou na vida de Luis Guilherme quando ele fraturou o quinto metatarso e saiu do radar da seleção para disputar o Sul-Americano Sub-20 em 2011. Em tratamento de recuperação e sem poder treinar, fez matrícula na Faculdade IBMR para poder ter uma alternativa caso a vida no futebol não vingasse. Por isso, ele se vê como uma exceção ao meio.
“Muita gente reclama do atleta não ter interesse no estudo, mas é muito difícil conciliar tudo. Não vou dizer que é impossível, mas exige muito. E antes era ainda mais difícil porque era tudo 100% presencial. Eu morava na Pavuna, a faculdade era em Botafogo e depois passou para a Barra da Tijuca. Eu estudava, treinava e ainda ficava mais de três horas no trânsito”, relembrou a rotina de estudante e jogador.
A vivência no futebol auxilia Luis Guilherme na ajuda com os jovens jogadores. Além dos jogos no fim de semana, ele tem o trabalho diário no clube, com a elaboração de relatórios, avaliações e atendimentos individuais e coletivos com os jogadores e comissão técnica.
Fora do horário no clube, ele atende de forma particular pessoas do esporte e de outras áreas. Apesar da experiência que adquiriu no campo, a psicologia ainda segue como pilar do trabalho.
A psicologia é a base sempre. Isso é primordial, mas tento juntar os dois mundos. Só pelo fato de ter sido jogador, não posso me basear na minha experiencia. É preciso ler muito, me atualizar, para juntar essas duas valências. Ter uma linguagem do futebol e uma base cientifica ajuda. Ter o lado da psicologia para transcrever para os atletas. O atleta é o centro do processo. Eu não posso ser muito acadêmico ou muito boleiro. Não é assim que funciona
COMO FOI A PASSAGEM PELA SELEÇÃO
Nestes quatro anos de seleção, Luis jogou com Neymar, Casemiro, Danilo, Philippe Coutinho, Alex Sandro, Oscar e Alisson, nomes que disputaram ao menos uma Copa do Mundo pelo Brasil. Apesar do período longo, ele admite que não tem mais relação com o grupo, mas que guarda boas saudades.
“Sempre fui mais na minha e os caras atingiram um patamar difícil de chegar. Olha o Neymar. É muito assédio em todos os lugares que ele vai. Mesma coisa com o Coutinho. Nós jogamos futsal no Madureira, mas depois perdemos contato”, explica.
Tinha uma relação boa era com o Alisson. Nós éramos companheiros de quarto e sempre ficávamos juntos. A gente jogava muito videogame. Era legal a convivência com ele. Ele sempre gostou muito de música e quando achava um violão, ele gostava muito de tocar. Ele era um cara do rock e sertanejo. Gostava de tocar as músicas gaúchas e sempre defendia o Rio Grande do Sul com unhas e dentes. Mas era um cara pacato, que não gosta de aparecer. Gosto muito dele
Desde 2015, Alisson é nome certo em todas as convocações do Brasil. São 75 partidas no total e duas Copas do Mundo disputadas. Se for convocado para o Mundial de 2026, que será o terceiro consecutivo, atingirá marca obtida apenas por Taffarel, atual preparador de goleiros do Brasil.
“Eu era o titular até o Sul-Americano de 2009, mas depois o Alisson passou o trator. Ele sempre foi muito acima da média. Tem uma cobrança exagerada nesta segunda-feira (08) nele, mas ninguém disputa duas Copas e agora [pode ir] para a terceira se não for muito bom. O Alisson merece tudo o que conquistou.”
Sem mágoas por não ter atingido o mesmo sucesso que o ex-reserva Alisson, Luis Guilherme tem orgulho do passado e quer registrar a sua história em um livro que chamará ?Entre luvas e livros?.
“O futebol me deu muito, conheci muitos lugares do mundo, joguei na Seleção e vivi o lado luxuoso do futebol. Mas eu também conheci o lado B, com estruturas ruins, clubes pequenos. Essas condições mais difíceis me ajudaram a compreender o futebol. É bom falar sobre o futebol que deu certo, mas o esporte tem muitas nuances. Eu bebi em todas as fontes. Do mais alto nível ao mais baixo. Isso tudo eu vou escrever no meu livro”, concluiu.