SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo formado por nove mães é o primeiro a entrar no teatro do Sesc Avenida Paulista, onde é realizada a performance “Tapajós”, de Gabriela Carneiro da Cunha, que há dez anos conduz o projeto “Margens sobre Rios, Buiúnas e Vagalumes”, sobre histórias de rios brasileiros em situação de catástrofe.
As mães são convidadas a participar de algumas etapas da encenação e simbolizam a criação de uma aliança que pode salvar o rio da destruição. O espetáculo aborda a contaminação das águas do Tapajós, no Pará, pelo mercúrio usado pelo garimpo ilegal para separar o ouro no solo ou na água.
A peça é também uma resposta ao conceito, ainda em discussão, de antropoceno, era geológica marcada pelas mudanças realizadas pelos seres humanos no mundo.
“A pesquisa é uma tentativa de devolver aos humanos a capacidade de escutar outras vozes”, afirma Carneiro da Cunha, que apresenta a performance ao lado da atriz Mafalda Pequenino, parceira do projeto.
O marco inicial da criação de “Tapajós” foi uma assembleia realizada em 2022 na terra indígena Sawré Muybu, para que a comunidade recebesse os resultados de uma pesquisa sobre a contaminação por mercúrio.
Entre as vozes ouvidas pelo público está a do médico Paulo Basta, pesquisador da Fiocruz e coordenador do estudo. Ele explica didaticamente as consequências da contaminação para a saúde e revela a gravidade do problema no território indígena.
Orações, vozes de crianças, o barulho das águas do rio e do útero materno e o cheiro de ervas maceradas ocupam o espaço e conduzem a plateia a um experimento sensorial distante da turbulência da avenida Paulista, logo ali, do lado de fora.
Como parte da performance, o teatro é transformado em laboratório fotográfico analógico, em uma referência à época em que o mercúrio era usado nas revelações das imagens.
Elas, as imagens, surgem e desaparecem diante do público, como que encantadas as que sobrevivem formam uma exposição que resgata a força do rio, das comunidades e da natureza.
“O mercúrio, capaz de revelar o ouro e produzir uma tragédia tão grande, também pode revelar as imagens de uma fotografia. A mesma substância tem potencial de fazer existências desaparecerem ou aparecem e se ampliarem”, diz a realizadora.
A equipe do espetáculo participou do Festival Sairé, em Alter do Chão, no Pará, como parte do processo de escuta de comunidades do Norte do país.
Uma das festas populares mais antigas do Brasil, o festival amazônico é um encontro entre as culturas indígena e católica, com procissão de embarcações, cantos ancestrais, rezas e tarubá, bebida alcoólica típica da região.
“Se você quer conhecer a sua origem, sua ancestralidade, vá a Alter do Chão e partícipe do Sairé”, disse Osmar Vieira Sairé, juiz da disputa entre botos no festival, em um bate-papo após a apresentação da peça “Tapajós”, no dia 29.
A crença que move os festejos é a de que os ancestrais moram nas águas e nas matas. “O Tapajós é a nossa mãe”, completou.
Além do teatro, o projeto “Margens sobre Rios, Buiúnas e Vagalumes” se expande para o cinema, as artes visuais, publicações e workshops.
Na primeira etapa, em 2015, a dramaturga Grace Passô escreveu a peça “Guerrilheiras ou Para a Terra Não Há Desaparecidos”, sobre mulheres que lutaram contra a ditadura militar na Guerrilha do Araguaia.
A montagem “Altamira 2042”, segunda etapa do projeto, foi uma instalação sonora que amplificou testemunhos de ribeirinhos, povos indígenas, lideranças de movimentos sociais, funcionários do governo federal e até da mata e do rio sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Xingu.
TAPAJÓS
– Quando Até 28 de setembro. De quinta a sábado, às 20h, e, aos domingos, às 18h
– Onde Sesc Avenida Paulista – av. Paulista, 119, São Paulo
– Preço R$ 50,00 (inteira), R$ 25,00 (meia), R$ 15,00 (credencial plena)
– Classificação 16 anos
– Autoria Gabriela Carneiro da Cunha
– Elenco Gabriela Carneiro da Cunha e Mafalda Pequenino
– Direção Gabriela Carneiro da Cunha