RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O programa da Prefeitura do Rio de Janeiro para impulsionar novos habitantes no centro da cidade tem avançado com a venda de micro apartamentos de até 30 metros quadrados, os chamados estúdios.
Representantes de incorporadoras afirmam que o perfil de comprador tem sido o que busca mais investir do que morar, com objetivo de alugar os espaços para plataformas de estadia curta duração, como Airbnb.
O Reviver Centro, lançado via lei complementar em 2021, trata de incentivos fiscais para o mercado imobiliário criar habitações na região através da construção de edifícios ou transformação de uso deles, o chamado retrofit.
Urbanistas avaliam que o projeto pode criar uma “bolha de Airbnb” em vez de cumprir o plano de levar moradias ao centro.
Desde 2010 a prefeitura vem tentando estimular a construção de prédios residenciais no centro. Antes do Reviver, a gestão Eduardo Paes (PSD) lançou um projeto de revitalização da zona portuária. A tentativa de ocupação com moradias ainda caminha.
O Reviver Centro completou quatro anos em julho. O debate em torno do projeto reacendeu em agosto, quando a prefeitura licenciou a construção de um prédio com 720 unidades residenciais, estilo estúdio, na praça Mário Lago, ao lado do Buraco do Lume.
Até agora é o maior empreendimento já licenciado. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) lançou campanha contra a construção. Paes respondeu afirmando que o deputado e seus aliados “são contra habitação para pessoas mais humildes no centro”. Chico Alencar retrucou e disse que o prefeito “se diz antenado” e vai “na contramão do mundo, abraçando a especulação e o Airbnb”.
“Perder a praça arborizada, um lugar de descanso no meio do centro, será um prejuízo”, afirma Cristóvão Duarte, professor de arquitetura e urbanismo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Desde 2021 o Reviver emitiu 57 licenças 46 são para transformação de uso de edifícios e 11 para construção. Elas somam 5.236 unidades residenciais e 68 unidades não residenciais.
Outros 20 processos de obtenção de licença estão em andamento. Eles somam 823 unidades residenciais e apenas um é de construção de prédio.
O metro quadrado é vendido, em média, por R$ 15 mil um estúdio de 35 m², por exemplo, custa R$ 525 mil. O cálculo é de dois empresários ouvidos pela reportagem.
“Muitas vezes, essas unidades são as que cabem no bolso de uma parte das pessoas”, afirma Gustavo Guerrante, secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento da prefeitura.
Edifícios comerciais famosos da cidade como A Noite, na praça Mauá, e Mesbla, na Cinelândia, estão virando residenciais baseados em estúdios.
“É muito vantajoso para nós, incorporadores”, afirma Guilherme Mororó, diretor comercial do CTV, que lançou um prédio na rua do Acre cujas unidades foram vendidas em duas horas no pré-lançamento. A entrega está prevista para 2028.
“Tivemos um balanço interessante ali: 60% eram investidores e 40% são futuros moradores, mas que atualmente já moram na região do centro.”
Laisa Stroher, pesquisadora do Observatório das Metrópoles, avalia que a arquitetura dos prédios em construção e a estratégia de marketing são direcionadas para o aluguel de curta temporada.
“É uma contradição na medida em que você tem mobilização de esforços, recursos públicos e o repasse de prédios públicos para repovoar o centro, mas vê que o projeto está sendo usado para outra finalidade.”
Um dos edifícios públicos é o antigo prédio de 31 andares da Caixa Econômica, na avenida Almirante Barroso, em análise de licenciamento para virar um residencial com apartamentos de até três quartos, estilo diferente dos demais estúdios.
“Os terrenos no centro são pequenos. O que pode mudar o paradigma é o antigo prédio da Caixa. Pode ser o primeiro empreendimento do Reviver nos moldes de um condomínio”, afirma Guerrante.
O secretário avalia que a oferta de estúdios no Rio ainda é insuficiente, o que afasta, na visão dele, o risco de “bolha de Airbnb”. Um projeto de lei na Câmara do Rio prevê regular hospedagem pela plataforma.
“Em algum determinado ponto pode haver uma bolha de Airbnb, mas não agora. Isso ainda vai demorar uns dois anos”, afirma Elcilio Britto, presidente da imobiliária Lopes Rio.
“Nossos empreendimentos começaram com 95% de investidores. Num segundo momento, o percentual de quem compra para morar foi para 10%, e agora deve estar em 20%. Vem crescendo.”
O Reviver Centro passou por revisões e ganhou derivados. O Reviver Cultural, que cria facilidades para a abertura de espaços culturais em imóveis ociosos, tem 43 contratos assinados. Museus, livraria e galerias estão em atividade.
O Reviver Rua da Cerveja prevê usar imóveis ociosos na rua da Carioca para a abertura de cervejarias artesanais. A prefeitura tem nove contratos assinados. Um dos prédios em negociação é o da rua da Carioca 53, onde funcionou na década de 1960 o Zicartola, restaurante tocado pelo casal Cartola e Dona Zica.