SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O serviço de obstetrícia para servidoras públicas municipais de São Paulo, transferido em junho para o Hospital Saint Patrick, é alvo de reclamações de gestantes, que relatam desassistência e violência obstétrica.

A reportagem apurou que um dos maiores alvos de reclamações é o coordenador da equipe contratada, Marcelo Koji Ota, réu em pelo menos três processos em andamento na Justiça paulista pela atuação em outras instituições.

O médico é acusado em três ações cíveis, ou seja, réu, por casos que aconteceram em 2018, 2021 e 2024.

Em um deles, o ginecologista é acusado de erro médico por esquecer uma gaze no corpo de uma paciente durante procedimento de curetagem após aborto espontâneo. Ao juiz a defesa afirmou que restos ovulares no útero teriam causado dores à paciente.

Em uma segunda ação, Ota é acusado de liberar uma paciente sem os cuidados pós-operatórios após uma histerectomia, cirurgia para remoção do útero. Ela passou por intervenções cirúrgicas após complicações. A defesa do médico diz que os fatos não podem ser considerados má prática.

No terceiro caso, Ota é acusado de perfurar o útero de uma paciente durante uma histeroscopia— inspeção endoscópica do interior do útero—, o que a teria levado à morte. A defesa alega que complicações podem decorrer sem que sejam ligadas a má prática.

Procurado, o médico afirmou que a comunicação seria feita através do Saint Patrick. O hospital diz que os casos aconteceram em outras instituições e que, até o momento, não existe nada que o desabone na unidade. A prefeitura afirma dispor de equipe que acompanha os planos de trabalho na unidade e que os casos citados pela reportagem serão apurados.

A gestão contratou o serviço via pregão eletrônico, modalidade comum para compra de bens ou serviços que não exigem qualificação técnica e que tem como critério de escolha o menor preço. A empresa contratada é a Associação Hospitalar Jaguara, dona do Hospital Saint Patrick, pelo valor de R$ 6,2 milhões ao ano. Os demais concorrentes da modalidade ofereceram R$ 120 milhões, R$ 102 milhões e R$ 30 milhões.

Segundo Fernando Aith, professor da USP (Universidade de São Paulo) e dirigente do Centro de Pesquisa de Direito Sanitário, a modalidade é inadequada para a contratação porque não permite aferir a qualificação técnica do serviço.

O professor diz ainda que a diferença no valor oferecido pela contratada e pelos concorrentes denota uma incapacidade de prestação do serviço, ou seja, um preço por meio do qual a empresa não é capaz de oferecer a assistência. “É o uso de uma brecha porque, como é pregão, não é preciso comprovar muita coisa.” A modalidade mais adequada seria a concorrência, que torna possível fazer exigências e impor qualidade.

RELATOS

A reportagem ouviu quatro mulheres atendidas na maternidade, das quais três têm queixas sobre Koji Ota. Uma optou por não citar nomes.

Andressa Lopes, 37, que teve diabetes gestacional, fez o pré-natal no Hospital do Servidor. Chegou a ir ao local quando a bolsa rompeu, mas a internação não foi autorizada e Andressa foi transferida para o Saint Patrick, a cerca de 25 km dali.

No início da tarde, um médico a examinou e pediu que ela voltasse só no dia seguinte, então Andressa tentou mostrar o prontuário obtido no Hospital do Servidor.

“O médico não olhou, e eu falei que eu não ia embora.” Segundo ela, ele ainda disse que, já que ela estava insistindo, a criança poderia ser retirada por “sua conta e risco”.

Andressa conta que saiu da sala de parto passando mal e sem explicações sobre o que havia acontecido. “Não sei se tive uma hemorragia, ninguém me falou. Na alta, o médico só disse: ‘Já está liberada para fazer outro’.”

Ela classifica o caso como violência obstétrica. “Não consegui ficar calma durante um momento que era tão precioso”, lamenta.

Depois da primeira consulta do bebê, descobriu ainda que o hospital não havia feito o teste do pezinho completo e teve de pagar pelo exame ampliado. Ela conta que hoje faz acompanhamento psicológico para lidar com o caso. “Para me libertar de tudo que essa situação gerou para mim”.

A servidora Ludmila Marques, 28, teve problemas durante uma visita antes do parto. Acompanhada da filha de 10 anos, foi atendida por Koji Ota.

“A primeira pergunta que ele fez foi se eu não queria fazer uma laqueadura. Eu falei que não, e ele ficou questionando por que, já que era minha terceira gestação. A minha filha perguntou, ‘por quê, mãe?’, e ele respondeu ‘porque ela quer te dar muitos irmãozinhos’.”

Ao longo do atendimento, diz Ludmila, o médico sugeriu que ela terminasse o pré-natal no hospital contratado e afirmou que, caso os índices glicêmicos dela continuassem altos, o bebê “teria que ser tirado com 37 semanas.” Ela também teve diabetes gestacional. Ao questioná-lo com base nas instruções recebidas durante o pré-natal, disse que ouviu que ele quem decidiria a via e o tempo do parto.

“Foram 40 minutos de tortura”, diz Ludmila. “Eu entendo que o atendimento se deu dessa forma porque eu era uma mulher preta, grávida, com uma filha.” Ela se recusou a ter a bebê no local e deu à luz em um hospital público.

Flávia Anunciação, dirigente do Sindsep (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), afirma que a prefeitura não deixou claro até hoje qual é o serviço contratado. “Para uma das mães, o médico oferece marcar uma laqueadura, mas isso não faz parte do contrato”, diz.

O sindicato entrou com representação no Ministério Público de São Paulo para questionar a contratação, além de abaixo-assinado, e está acompanhando as gestantes que se queixam.

Para Anunciação, a saúde das mulheres não é algo prioritário para a gestão. “E o resultado que a gente tem é um governo que não prioriza mães e filhos.”

Sobre o atendimento, o hospital afirma que serão instaurados processos administrativos para investigar os casos relatados pelas gestantes. Diz ainda que passou por uma reestruturação visando melhorias “porque no mês de transferência de uma instituição à outra aconteceram alguns problemas de atualização de protocolos”.

A Prefeitura de São Paulo diz que a contratação permitiu otimizar os leitos do Hospital do Servidor para especialidades mais demandadas, como geriatria e cirurgia. Afirma também que a contratação atendeu todas as exigências do edital e que os valores foram baseados em orçamento estimado a partir de pesquisa de preços.