RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Entre os vitrais coloridos que se estendem por 60 metros de altura na Catedral Metropolitana de São Sebastião, no centro do Rio de Janeiro, andaimes metálicos e uma rede de proteção que encobre toda a estrutura de pirâmide revelam uma cena inédita em quase cinco décadas: a primeira grande reforma desde a inauguração do templo, em 1976.
A intervenção, orçada em R$ 68,8 milhões, inclui a reconstrução dos vitrais alemães, a pintura da fachada com tinta especial contra intempéries e adequações de acessibilidade. A conclusão está prevista para o primeiro semestre de 2026.
A obras é feita em etapas para que a rotina de celebrações e visitas não seja interrompida. “Estamos trabalhando tanto na fachada quanto internamente. São mais de 67 mil m² de recuperação de concreto aparente, além de banheiros e áreas internas. Como a Catedral não pode ser fechada, precisamos ter cuidado maior com a proteção de quem circula por aqui”, afirma Rony Silva, diretor de manutenção da Emop (Empresa Municipal de Obras Públicas e Serviços).
A missão mais delicada é restaurar os mais de 1.000 m² de vitrais em “dalle de verre”, peças de vidro espesso fixadas em concreto. O trabalho, conduzido pelo vitralista Cláudio Sacramento, que há 35 anos cuida da manutenção do espaço, exige a retirada e desmontagem dos painéis, que passam por inspeção e moldagem antes de serem recolocados.
Para o padre Cláudio dos Santos, pároco da Catedral, a reforma vai ressaltar ainda mais a imponência do edifício. “Recebemos pessoas do mundo todo, não só católicos. Estar bem conservada é importante para a fé e para a cidade”, diz.
As obras fazem parte do Programa Infratur, instituído pela Alerj (Assembleia Legislativa do Rio) em 2023 para reformar e recuperar prédios, templos e equipamentos turísticos. Além da Catedral, o pacote contempla a Catedral Presbiteriana do Rio, o terreiro Ilé-Axé-Opô-Afonjá, na Baixada Fluminense, e o Edisen (Edifício Sede da Petrobras), no centro da cidade.
Erguido em 1973, o prédio da Petrobras passa por uma revitalização estimada em R$ 1,3 bilhão. A reforma inclui a substituição de vidros, brises e elementos da fachada. Apesar da intervenção, a ideia é manter o desenho original do edifício quinquagenário, considerado um marco da arquitetura corporativa moderna brasileira. Internamente, apenas a estrutura de concreto foi mantida: sistemas hidráulicos, elétricos, de telecomunicações e de refrigeração estão sendo totalmente refeitos.
A Petrobras estima que a intervenção dure ainda cerca de dois anos. Enquanto isso, os funcionários foram realocados em outros prédios da estatal no Rio.
“É inimaginável pensar em demolir construções como a Catedral ou o edifício da Petrobras. Mas a ausência de tombamento federal as deixa institucionalmente mais frágeis”, alerta Mario Brum, professor de História da Uerj. Segundo ele, a monumentalidade desses projetos traduz a ideia de “Brasil grande” promovida pela ditadura militar, em continuidade a ideais de governos como Vargas e Juscelino Kubitschek.
“A arquitetura modernista encarna um pouco desse ideal: espaços funcionais, mas também monumentais, que se integram à paisagem. A Catedral, com seu formato que pode parecer pirâmide ou círculo, e o prédio da Petrobras, com seus vãos para jardins suspensos, dialogam com essa visão de um país em crescimento”, afirma o professor.
Mesmo sem o status de capital desde 1960, o Rio continuava sendo, nos anos 1970, polo de poder econômico, político e cultural. “O centro abrigava sedes de estatais como o BNDES e a Caixa, todas inspiradas na arquitetura modernista. Essa produção reforçava o papel do Rio como centro decisório do país”, explica Brum.
No caso da Igreja, a transferência da Catedral da Praça 15 para o atual endereço simbolizou também uma mudança de eixo. “A antiga Sé ficava no coração do poder imperial, ao lado do Paço e do Senado. Ao erguer a nova Catedral monumental no centro, nos anos 1970, a Arquidiocese sinalizava a permanência de sua importância, em diálogo com os novos símbolos urbanos”, diz o historiador.
Para Brum, a revitalização dos edifícios isoladamente não resolve o desafio do centro, marcado por esvaziamento residencial e uso restrito a atividades comerciais. Mas pode colaborar dentro de um conjunto de ações. “Qualquer política que torne o centro mais agradável, iluminado e movimentado contribui para reverter esse passivo urbano. A conservação de ícones como a Catedral e a sede da Petrobras tem papel nesse processo”, afirma o professor.