SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O show de Caetano Veloso no Memorial da América Latina, na noite de domingo (7), para encerrar os três dias da edição 2025 do Coala Festival, extrapola a consagração do cantor diante de um público jovem e extasiado ao final da apresentação. Trata-se de uma performance muito significativa do momento atual dos medalhões da MPB e suas plateias.
Nas duas últimas temporadas, astros que quebram a marca dos 80 anos em atividade intensa estão incorporando as grandes arenas a suas turnês. Caetano, 83, passou por estádios de futebol ao lado da irmã Maria Bethânia, 79, assim como Ney Matogrosso, 84, num dos grandes shows recentes no Allianz Parque. E Gilberto Gil, 83, em meio a sua turnê de despedida, canta para plateias acima de 40 mil pessoas.
Artistas de peso não são novidade no Coala, que em 11 edições construiu um painel amplo de todas as camadas da MPB. O próprio Gil foi o destaque em 2022. Mas o show de Cetano foi excepcionalmente poderoso. Muito além do respeito e devoção que sua figura desperta a qualquer aparição, foi uma performance recebida com barulho e entusiasmo jovial pela plateia, que esqueceu a figura lendária de Caetano para saudar um artista que estava ali fazendo música empolgante.
De cachecol para combater o vento frio da noite, abriu o show com “Branquinha”, que fez para Paula Lavigne e não é levada muito ao palco. Emendou com “Gente”, para depois cantar “Vaca Profana”, com o telão exibindo uma imagem de Gal Costa bem jovem.
Então deixou o público cantar com ele “Divino Maravilhoso”. Seguiu com “Cajuína”, outra que virou karaokê, e arrancou gritos histéricos ao tirar o cachecol do pescoço. Para o público, foi um striptease.
Ainda sem falar diretamente com a plateia, acelerou as coisas com “Podres Poderes”. Depois, a sempre estranha “Anjos Tronchos”. E, finalmente, a fala ao público. “São Paulo! Que bom estar aqui de novo. Sete de setembro, verde amarelo”, disse. Em seguida, incendiou o público com “Eclipse Oculto”.
Ao pegar o violão pela primeira vez, entoou “Sozinho” para uma plateia totalmente conquistada. E mais uma surpresa, com “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, num grande momento da afinada banda reunida para o show.
O agito continuou com a recente “Um Baiana”, homenagem de Caetano ao grupo BaianaSystem. A volta ao passado se deu com “Muito Romântico”, que abriu caminho à nostalgia total disparada com “Alegria Alegria”.
Veio então o inesperado cover de “Linha do Equador”, de Djavan. Mais surpresa com “Não Enche”, a eterna música da “vagaba”. E, para deixar o público desnorteado, emendou a delicada “Queixa”.
“Um Índio” levou a plateia a 1976. Em seguida, a não muito lembrada em shows “Fora da Ordem”. Veio então um agradecimento à cidade de São Paulo, “importante na formação da minha personalidade”.
Depois de apresentar a jovem banda, Caetano disparou “Desde que o Samba É Samba”, clássico em parceria com Gil. Então, a eletrizante “Reconvexo”. E abatida ficou ainda mais forte com “É Hoje”, a versão definitiva de Caetano para o samba-enredo. No bis, uma dançante “Odara”. Um pacote de “greatest hits” inusitados capaz de alcançar fãs de todas as idades e admiradores de qualquer fase do seu trabalho.
Recorrer a esse repertório de peso foi essencial para Caetano se dar bem, porque ele se apresentou logo depois de BK, uma das vozes mais incisivas da cena rapper brasileira. Em uma hora de show, ele disparou crítica em cima de crítica. Mas a verdadeira revolução proposta pelo rapper carioca talvez não esteja apenas nas letras.
Ao contrário da imensa maioria dos nomes do movimento, ele deixa de lado os beats vindos de fora e prefere recorrer a samples de música brasileira. No primeiro contato, pode parecer apenas uma bossa, uma chinfra para diferenciá-lo da concorrência, mas é mais do que isso.
Usando extratos de Milton Nascimento ou Djavan, por exemplo, ele consegue injetar em seu som uma carga melódica e, principalmente, harmônica, algo muito difícil de se ouvir em shows de hip hop nacionais. O material do seu álbum mais recente, “Diamantes, Lágrimas e Rostos para Esquecer”, é todo assim, construindo um disco que, para além da trincheira rapper, ainda terá um lugar especial na recente MPB.
Antes da apoteose BK e Caetano, o último dia do festival foi mais suave, por assim dizer, mas muito bonito. Como no encontro de duas gerações de violonistas, representadas por Josyara, 33, e Cátia de França, 78, e numa combinação de afrobeat e samba-reggae com Anelis Assumpção e Lazzo Marumbi.
O Coala 2025 acertou na criação de um adorável clima de festa dentro do memorial e ao escalar bons nomes para fechar cada noite. Antes de Caetano, Liniker foi atração principal na sexta-feira, e o sábado teve encerramento com Nando Reis e Chico Chico, em mais um dos muitos encontros multigeracionais do festival. Que venha o próximo ano.