LOS ANGELES, EUA (FOLHAPRESS) – O ator Wagner Moura diz fazer votos por um repeteco brasileiro no Oscar com “O Agente Secreto”, novo filme de Kleber Mendonça Filho que se passa durante a ditadura militar nos anos 1970, mesma época da história de “Ainda Estou Aqui”, ganhador da estatueta de filme estrangeiro neste ano.
Enquanto “Ainda Estou Aqui” é baseado em fatos reais, no assassinato do ex-deputado Rubens Paiva, “O Agente Secreto” é um trabalho de pura ficção, pontuado por elementos surrealistas.
Ainda assim, diretor e ator disseram que a trama acabou tirando inspiração das experiências de perseguição política que ambos sofreram no governo de Jair Bolsonaro. No filme, um pesquisador acadêmico -papel de Moura- é perseguido e se refugia numa espécie de colônia com outras vítimas.
“O Kleber sofreu muita perseguição. E eu sofri muito com o negócio do ‘Marighella'”, disse Moura, citando o filme com o qual fez sua estreia na direção, sobre a vida do ativista político Carlos Marighella, morto em 1969. O ator alega ter sofrido censura para lançá-lo.
“O filme do Kleber é sobre a impotência, a injustiça. A gente viveu um período muito duro para os artistas e para qualquer pessoa que tinha qualquer senso de apreço pela democracia e até de decência humana”, acrescentou o ator, após uma sessão do filme em Los Angeles para membros da Academia e eleitores do Globo de Ouro, na quarta-feira passada.
Mendonça Filho disse que levou dois anos para escrever “O Agente Secreto” e só percebeu no meio do processo que não fazia apenas um filme de época. “Era sobre um Brasil atual, particularmente aquele período que tivemos e que ainda bem acabou faz dois anos. Trouxemos a democracia de volta.”
“A história é ficcional, mas é sobre a lógica do país, a lógica nordeste e sudeste, a lógica da corrupção, da polícia, da academia”, continuou. “E também a lógica do amor, das pessoas se juntarem para se protegerem. É sobre muita coisa.”
Na trama, Marcelo (Moura) volta à sua cidade natal, Recife, em busca do filho, e chega no meio da semana do Carnaval. Seu passado é misterioso, e a cidade vive dias estranhos, com uma aparição bizarra que ataca as pessoas na calada da noite. O filme conta também com Maria Fernanda Cândido, Udo Kier e Gabriel Leone, no papel de um matador de aluguel.
O diretor explicou que a aparição noturna era uma lenda urbana de Recife criada por dois jornalistas nos anos 1970. Eles usavam o monstro como código para enganar a censura feita pela ditadura nas redações e reportar abusos das autoridades.
“Até hoje o pessoal fala dessa lenda urbana, mas ela nunca havia sido filmada. Usamos [a técnica de] stop-motion, o que nunca tinha feito antes”, disse Mendonça Filho, que começou sua carreira num jornal de Recife e foi crítico de cinema antes de virar diretor.
Moura e Mendonça Filho, premiados no Festival de Cannes com melhor ator e direção, têm uma agenda cheia para divulgar “O Agente Secreto” nos próximos meses, na esteira da temporada de prêmios de Hollywood.
“Estou torcendo para fazer uma trajetória parecida com o ‘Ainda Estou Aqui’, que a gente tenha um segundo ano de um outro filme brasileiro no Oscar”, disse Moura. “Mas a gente está muito no comecinho. Tem ainda os filmes que vão sair de Veneza, de Toronto.”
O diretor do filme disse que seguirá à risca o cronograma criado pela Neon, que comprou os direitos de distribuição na América do Norte e fez as campanhas de “Anora”, de 2024, e “Parasita”, de 2019, ganhadores do Oscar.
“Vou seguir o passo a passo do que eu tenho que fazer com o ‘Agente Secreto’, viajar muito, apresentar o filme, conversar com a imprensa”, afirmou o diretor. “A Neon é muito boa, tem sido excelente. Estou sendo muito bem cuidado por eles e bem recebido aqui nos EUA.”
A dupla deve passar quase 40 dias viajando pela Europa e EUA. O filme abrirá os festivais de Morelia, no México, e Biarritz, na França, enquanto Moura será homenageado no festival de Zurique. “Vamos fazer uma sessão para membros da Academia em Madrid, e depois voltamos para Los Angeles e Nova York no final do ano”, disse.
Mendonça Filho já teve dois trabalhos escolhidos para representar o Brasil no Oscar, “O Som ao Redor” (2012) e o documentário “Retratos Fantasmas” (2023), mas nenhum foi indicado. O longa oficial para a premiação de 2026 será divulgado no próximo dia 15. Já os indicados ao Oscar saem em 22 de janeiro do ano que vem.
“Os dois [longas anteriores] tiveram carreiras excelentes para um filme brasileiro, mas ‘O Agente Secreto’ tem mais agenda e mais energia em torno dele”, disse. “As premiações em Cannes e a Neon ajudam.”
Há alguns dias, a revista americana Variety publicou uma reportagem sobre os trabalhos que devem dominar a temporada de prêmios e afirmou que “O Agente Secreto” tem chances de superar o sucesso de “Ainda Estou Aqui”. O filme de Walter Salles também rendeu uma indicação de melhor atriz a Fernanda Torres.
Para o autor da reportagem, muitos especialistas podem estar subestimando o potencial de “O Agente Secreto”, que foi um “sucesso inesperado” no Festival de Telluride, no Colorado. “O filme pode seguir o caminho de ‘Ainda Estou Aqui’ do ano passado (e ter um desempenho ainda melhor) e emergir como um concorrente nas categorias atuação, direção, roteiro original e melhor filme”, escreveu o editor Clayton Davis.
Mendonça Filho ficou feliz com os comentários. “Fico muito confortável quando o filme está na minha frente e eu estou indo atrás. Mas fico muito desconfortável em me colocar à frente do filme, não funciona para mim”, disse o diretor. “Prefiro ir semana a semana. Acho que essa foi uma boa semana.”